quinta-feira, 9 de junho de 2011

Sobre a auto-gestão da feijoada


Tenho o maior interesse em debater com o Renato a actualidade incontornável de um partido de vanguarda dotado de um programa revolucionário, essa questão candente que absorve por inteiro as melhores energias da classe trabalhador à escala mundial. Temo que não seja fácil, uma vez que eu não "compreendo" uma série de coisas que o Renato me tenta explicar, com a infinita paciência que todos lhe reconhecem.
Haveria ainda a desagradável sensação de estar a digerir um cadáver, uma vez que este debate já dura há tanto tempo que só por uma imensa distracção pode o Renato desconhecer os muitos argumentos que podem ser contrapostos às suas certezas. Desde logo, eu próprio já escrevi para a Rubra um texto sobre o assunto, que está também disponível no Passa Palavra, onde, aliás, suscitou um longo debate. Não será seguramente a coisa mais profunda alguma vez elaborada sobre o assunto - até pelos limites de espaço colocados pela edição em papel -  mas não começamos este debate no vazio. Tem a vantagem de apresentar uma citação de Rosa Luxemburgo em cuja existência o Renato não acredita. Como é bom de ver, ela nem sempre "compreendia".
 [Aproveito para informar que ainda ontem comi uma feijoada confeccionada sem direcção nem programa  e que estava bem boa: tinha chocos e amêijoas e custava apenas 3€ o prato cheio]
Conheço em todo o caso um texto onde a crítica do leninismo é um pouco mais certeira e que, apesar da sua venerável idade, mantém grande parte da frescura original. É do tempo em que os os animais falavam, ou seja, do tempo da revolução:
 
A divisão entre o político e o económico como duas categorias absolutas, metafisicamente fundadas e de eterna vigência, e a concepção do controlo político sobre o económico são a herança jacobina que fundamenta a concepção leninista de partido, de Estado e da actividade política em geral. Ora, o jacobinismo é eficaz para se destruir um Estado, mas mais eficaz ainda para se reproduzir o Estado. O partido leninista pôde fazer uma revolução, mas não desenvolver as condições das novas relações de produção. Desde a degenerescência da revolução russa, mais acentuadamente desde a degradação final do capitalismo de Estado staliniano, que assistimos a tentativas repetidas de desenvolvimento da alternativa revolucionária do proletariado com base em organizações de tipo leninista. Tentativas sucessivamente condenadas ao fracasso. Não se trata sequer de não terem podido triunfar no acto insurrecional. É que nunca puderam assumir existência real, condenando-se a meros grupos isolados, sem qualquer audiência operária. É noutro sentido e para outras formas de organização que o movimento operário tem caminhado.
O mesmo se pode verificar hoje em Portugal. Dos trinta, ou trezentos, ou três mil partidos leninistas pretendidos revolucionários, a nenhum a classe operária permite a direcção de uma luta. E isso não quer dizer que o proletariado, no Portugal de hoje, negue a «política», no sentido de: luta comunista contra o Estado e todas as instituições centrais de poder. Pelo contrário, é em nome dessa luta que o operariado tem negado as formas leninistas pretendidas revolucionárias. Sobre o espectáculo da luta de classes pairam abutres e cada um tem ao seu pescoço o letreiro do seu partido. Não participam na luta, mas disputam-se as presas, as vítimas, para clamarem «esta é minha, esta é minha», reivindicando-se todos de cada uma. Mas são abutres famélicos.
O movimento operário segue caminhos claramente diferentes. Essas múltiplas organizações, que desistiram já de dirigir o que quer que seja, não podem sequer, nem por demagogia, reivindicar-se de nada. São estátuas perfiladas de tempos já passados. Ouçam-nos falar - não falam: recitam. Sabem o que em outras épocas foi dito. Só as bizzarias do tempo são responsáveis por esta simultaneidade cronológica entre organizações defuntas e a nova vida do movimento operário.
João Bernardo, Para uma teoria do modo de produção comunista, Agosto de 1974

2 comentários:

  1. Lembro-me de ver este João Bernardo no Porto, onde ele iria participar num debate. Os outros dois oradores na mesa parece que alongaram demasiado no discurso, resultado: o Jão Bernardo levantou-se e foi se embora dizendo que ele tinha avisado que ainda tinha que de ir não sei aonde.

    Toda gente ficou a olhar para aquele individuo com o seu ar pedante. Mais um que se leva demasiado a sério. E é esta gente que vai dar alguma novidade ao Povo? Alguma teoria?

    Já há seitas que cheguem. Numa coisa a cultura popular é certeira, se tens uma boa teoria, aplica-a, prova que que nela há algo de certo.

    Rocha

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  2. Já há seitas que cheguem é certeiro Rocha. Não estará você atrasado para a respectiva cerimónia?

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