quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Mapa das Ligações Portuárias


(o meu artigo no i de hoje)
De passagem por uma cidade do Norte de Inglaterra, fui levado por amigos locais a uma rua em que dezenas de restaurantes indianos e paquistaneses deixavam no ar aquele aroma que sempre me traz à memória a infância passada ao lado da minha avó. Como querendo regressar ao mesmo sítio no dia seguinte, pedi que me assinalassem o local no pequeno mapa de turista que tinha comigo. Disseram-me “a rua não vem no mapa…” Essa mesma frase tinha eu ouvido pela última vez há cerca de dois anos, numas breves férias de Verão realizadas um pouco mais a sul, para o sudoeste alentejano. À procura de um caminho de terra batida, por onde havia passado e cujo rasto perdera, perguntei pelo troço junto de um aldeão que caminhava à beira da estrada e pacientemente me explicou o que fazer, no fim rematando, ele também, que o caminho “não vinha no mapa…”
Do que fica relatado concluo, em primeiro lugar, que não são poucos os lugares que existem mas que os mapas desconhecem. Dizem que a falha nem terá grande remédio. Todos os mapas enfrentam o dilema da escolha entre a maior extensão da área coberta e a atenção aos detalhes que infinitamente dividem todo e qualquer espaço. Em segundo lugar, conclui-se ainda do que acima se expôs que os mapas não reflectem apenas a realidade que cartografam, mas que simultaneamente delineiam a forma futura dessa realidade. Quando um habitante local nos diz que o seu sítio “não vem no mapa…”, partilha connosco, é certo, um pedaço de terra ainda por muitos desconhecido, mas faz jásoar, também, um lamento pelo futuro que se aproxima, mau agoiro de quem intui que cedo ou tarde se acabará por dar sumiço ao que não vem no mapa.
Esta conversa de geógrafo de segunda vem a propósito do ano que vem. Então começaremos, muito provavelmente, a olhar com redobrada atenção para os mapas, as suas formas e os seus feitios. O estado da crise cada vez mais convidará a que coloquemos no centro da agenda a questão da escala em que temos vindo a ser administrados. Até agora são dois os mapas que nos têm sido disponibilizados como ferramentas para analisar e superar a crise: um mapa que nos fala de um mundo global, plano e liso, onde todos circulariam com o mesmo à-vontade; e um mapa que divide o mundo aos quadrados nacionais, como um puzzle de estados encaixados uns nos outros, cada macaco no seu galho.
Ambos os mapas têm problemas que os tornam cada vez mais insuportáveis. O primeiro mapa, tendo a vantagem de querer ignorar os sectarismos nacionais, supõe que não existam clivagens de outro tipo, por exemplo relativas a diferenças entre classes sociais. O mapa das nações, por sua vez, se admite a existência de clivagens, fá-lo conotando-as com identidades nacionais, desde logo secundarizando as diferenças sociais internas e transversais às próprias nações.
Contra ambos os mapas, há quem venha sugerindo a hipótese de um mapa universal (por contrário às identificações nacionais e patrióticas que ameaçam medrar a partir das linhas do segundo mapa) e antagonista (por contrário à ilusão de uma paz social liberal que obedece ao sonho do primeiro mapa). O trabalho de Sandro Mezzadra, autor de “Direito de Fuga” (recentemente publicado em português), tem justamente apelado à capacidade de elaborarmos mapas capazes, por um lado, de diagnosticar o de-senvolvimento a um tempo diferenciado e combinado de uma economia contemporânea que cria terceiros mundos no interior do primeiro e vice-versa; e mapas capazes, por outro lado, de mobilizar as forças e vontades susceptíveis de vencer essa economia. Neste sentido, mais que de um território global ou de mil e um territórios nacionais, precisaríamos de um mapa que tanto desse conta das ligações que fazem circular e fixar coisas e pessoas ao ritmo dos lucros privados e dos interesses estatais, como iluminasse relações determinadas por outras morais que não a do capitalismo e a do nacionalismo.
Quando o governo português refreia a sua intenção de avançar para um processo de requisição civil dos estivadores de Portugal porque os estivadores de outros países avisam que em retaliação boicotariam a descarga das embarcações vindas dos portos portugueses, é já um tal mapa que a luta dos estivadores delineia.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

A internacional dos estivadores


Bem sei que não é Kornakkis, mas foi o que se conseguiu arranjar. O texto que escrevi para o Passa Palavra a propósito da manifestação internacional de estivadores está disponível aqui.
Após um curto discurso do presidente do Sindicato, Vítor Dias, seguido da leitura de mensagens de apoio e solidariedade vindas de diversos portos europeus e sul-americanos, uma delegação entrou no edifício para reunir com a Presidente da Assembleia da República. Cá fora o entusiasmo não esmoreceu e, ao fim de uma hora, o convívio entre trabalhadores portuários de toda a Europa culminou num comboio aos círculos ao som de Quim Barreiros, enquanto estivadores suecos defrontavam os seus congéneres cipriotas na mesa de matraquilhos e estivadores belgas e dinamarqueses procediam a uma degustação de cerveja portuguesa, contrariando cabalmente aqueles que dizem que a greve nos portos afecta o escoamento da produção nacional.