sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Qualquer coisa


Luís Fazenda está cada vez mais acutilante na sua prosa. Depois de ter despachado Zizek a alta velocidade ainda não há 5 meses, ei-lo novamente de pena em punho, disparando agora sobre outros pianistas. Uma vez que a curiosa combinação entre Lacan e Estaline que caracteriza a intervenção pública de Zizek é uma cena que a mim não me assiste, deixo ao Bruno Peixe, ao Carlos Vidal e ao Nuno Ramos de Almeida as despesas dessa refeição, debruçando-me apenas sobre a partitura mais recente.

Seria pouco relevante procurar aqui uma definição minimamente clara do que Fazenda entende por "ressurgimento do anarquismo". Nem ele a deseja, nem semelhante clarificação seria possível à luz dos problemas que o texto procura abordar*. A pequena árvore genealógica esboçada no início do artigo limita-se a contrapor um cadáver embalsamado (e que é, por isso mesmo, inofensivo) a qualquer coisa que está viva e se mexe (e que é, por isso mesmo, incómoda).
O "anarquismo" que aqui interessa ter em mente é aquele mesmo a que as polícias de vários países se referem, sempre que pretendem reprimir preventivamente as e os que não querem brincar à representação e à negociação, que desafiam a autoridade do Estado e, em vez de reivindicar e exigir, preferem tomar, ocupar, sabotar e desafiar. Não se trata de um exercício de história das ideias, mas de um enunciado de criminologia.

O juízo a respeito desta nebulosa anarquista é tão severo como previsível. Não apenas a táctica do black bloc "não faz avançar um milímetro a luta de classes", dando pretextos à repressão policial e desviando a atenção das "acções populares", como é até "gritantemente conveniente" para a burguesia. O resto do texto segue o mesmo diapasão e raramente ultrapassa um registo caricatural. Afirma Fazenda, por exemplo, que os autónomos "ensaiaram uma simbiose entre anarquismo e marxismo", sem fazer a mínima ideia daquilo que está a dizer. Ou, ainda melhor, que "a [sua]  estratégia, sem táctica, era a acção directa e a agitação vermelha". E naturalmente que o corolário lógico de tamanha severidade só poderia mesmo ser a constatação - muito pouco original, diga-se, uma vez que Álvaro Cunhal já a fazia relativamente aos antepassados políticos da organização de Luís Fazenda - segundo a qual semelhantes disparates fazem o jogo da reacção. 

Nem Alemães, nem Portugueses

Se nada fizermos, a crise das dívidas arrisca-se a ser o tempo de todos os nacionalismos, sentenciando definitivamente a morte da democracia.



Entre os países que ainda não estão no olho do furacão da crise financeira, aumentam os sinais que nos dão conta de um crescente sentimento de superioridade em relação aos governos e às populações dos países em crise. Nestes últimos, por sua vez, multiplicam-se os apelos – de teor não menos nacionalista – a um orgulho colectivo que deverá juntar, num só abraço, os patronato, a esquerda, a polícia, os empresários, os sindicatos, a direita e quem mais se julgar um bom e honrado cidadão.



Vejam bem a rapidez com que algumas situações evoluíram nos últimos tempos. Recordam-se quando, ainda há poucos meses, um jornal alemão sugeriu que as ilhas gregas deixassem de ser propriedade do Estado grego, no que seria uma forma de este amortizar os seus pecados financeiros? Na altura, por aquele ser um jornal tablóide, supusemos que o seu sensacionalismo não reflectiria o pensamento das elites alemãs e prontamente negámos ser esse um sinal de preocupação. Hoje, porém, é a própria Angela Merkel que aventa a hipótese de impor uma diminuição de soberania a Estados como o grego.



Para agravar ainda mais este cenário, temos a reacção das elites políticas dos países em crise às declarações de Merkel. A reacção tem sido uma de duas: há quem continue a não encontrar no facto qualquer razão para alarme, afirmando que Merkel se limitou a constatar uma realidade; e quem desate a falar do irreprimível expansionismo alemão e de como por cá – em Portugal, por exemplo – não falta quem se preste ao papel de colaboracionista, o que exigiria uma espécie de levantamento patriótico dos chamados portugueses. Ou seja, temos os que ignoram a doença e os que nos querem matar com a cura.



A confirmar-se este cenário de inflacionamento de todos os nacionalismos, não tardará que uma primeira vítima se apresente na morgue mais próxima. Não será provavelmente o banco X ou o banco Y, porque já todos percebemos que haverá sempre um estado qualquer pronto a salvar um banco qualquer em nome de um qualquer interesse nacional. Será a democracia.



O estado da democracia já não é, hoje por hoje, muito famoso. Triste e fragilizada, arrasta-se penosamente pelos cantos, manietada por uma sua concepção que ignora os valores da igualdade económica, tudo se resumindo a uma concepção de liberdade que tem o seu pilar fundamental no respeito pelo direito da livre iniciativa privada, isto é, o direito de uns poucos privarem os muitos do acesso a outros tantos bens. Mesmo a liberdade política encontra-se hoje resumida ao direito de escolhermos livremente os poucos que sobre nós mandarão, as mais das vezes a despeito de programas eleitorais acabados de imprimir. A política institucional está hoje apropriada por um sistema partidário em que escassos são os eleitos que recusam ser incluídos na categoria “classe política”, expressão que pressupõe uma profissionalização da política que é a negação de uma ideia de democracia segundo a qual um cidadão tanto poderá eleger uns como ser eleito por outros.



O estado da actual democracia não significa, porém, que nada possa piorar. Os efeitos anti-democráticos da voragem nacionalista que se avizinha não devem ser menosprezados. O crescente nacionalismo alemão arrisca-se a eliminar qualquer ilusão de autonomia – dar a nós próprios as nossas próprias leis – que ainda pudesse estar contida no princípio da soberania nacional. E os nacionalismos anti-alemães, por sua vez, ameaçam suspender por mais de seis meses a democracia enquanto instrumento de expressão do antagonismo político entre pessoas que vivem num mesmo país. A democracia enquanto negação do conflito e sublimação do consenso – alimentada tanto por uma concepção gélida e tecnocrática da política, como por uma exaltação romântica e calorosa do orgulho e resistência nacionais – pouco mais será do que uma forma menos musculada de dizer a palavra ditadura.



Num tempo em que até os partidos parlamentares mais à esquerda invocam a necessidade de uma unidade nacional, ideia que na Grécia ou em Espanha sectores anarquistas ou autonomistas – a famigerada esquerda radical – têm procurado contrariar, pouco falta para que a política em Portugal se resuma a um concurso televisivo para eleger o melhor administrador desta pequena e moribunda empresa. E a democracia, já se sabe, costuma ficar à porta das empresas.



Por mais que a ideia contrarie a intuição de alguns leitores, pode bem dar-se o caso de a esquerda radical ser a maior esperança para uma reinvenção da democracia.



publicado esta quinta-feira no jornal i

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

O mais luminoso farol do marxismo-leninismo volta a atacar

  Historicamente, o anarquismo corresponde à infância do movimento operário contra a opressão burguesa e a exploração capitalista.[...]
Não será possível abordar a “táctica” black sem perceber a origem do processo. Nos anos sessenta do século passado foram nascendo os chamados “autonomistas” em vários países da Europa ocidental. Esses sim, tinham programa e política. Ensaiaram uma simbiose entre anarquismo e marxismo. Do anarquismo retiravam a aversão ao Estado, ao “governo compulsório”, à hierarquia e burocracia dos partidos de esquerda, especialmente dos partidos centralistas de tradição comunista. Do marxismo recuperaram a teoria económica, os princípios gerais da luta de classes: “horizontalizar” a luta de classes é uma consigna que pode hoje parecer estranha mas motivou muitos radicais, em particular grupos estudantis e intelectuais. Para essa luta de classes não havia outro programa senão o anticapitalismo radical, não havia fases, nem alianças.
A estratégia, sem táctica, era a acção directa e a agitação vermelha. Essa foi a tese antiga de Toni Negri, de várias organizações italianas, francesas, alemãs, holandesas, entre outras de menor expressão. [...]
A crítica que aqui se perfila sabe e condena desvios autoritários de partidos de base popular, e repudia o controleirismo sobre organizações sindicais, movimentos sociais, cooperativas, etc. Mas nada disso habilita quaisquer activistas a achar que o proletariado não precisa de partido político. Nesse aspecto, este debate já não é dirigido a uma manifestação infantil do movimento operário, mas apareceu como uma caricatura do passado. Esse “autonomismo” teve inclusivamente à ideia peregrina de que os movimentos sociais “autênticos” são apartidários e contra-partidários. Há uma classe que agradece, mas não são os trabalhadores.
 Luís Fazenda, Anarco qualquer coisa

domingo, 25 de setembro de 2011

P.ullshit

1.O jornal Público criou um novo P. Depois do P2, dedicado às artes e letras, oferece-nos agora um P dedicado aos estilos de vida. O destaque, observável a partir do site do diário, não poderia fazer um melhor resumo do objectivo que se levanta: «A geração à rasca está a conseguir desenrascar-se». Não porque se manifestou nas ruas, não porque se organizou em colectivo, mas sim por ser uma «geração mundo» que “utiliza "low cost", “fica alojada em casa de amigos, mas não prescinde da viagem”, “faz voluntariado - por solidariedade, mas também por um melhor currículo, porque as empresas valorizam as "competências" que advêm dessa experiência. É a geração "download", da rapidez, diversidade e partilha na forma como consome cultura”.

2. Um dos artigos em hiperligação remete para a vida de Hugo Araújo, um free-lancer que apenas tem projectos e não trabalha das 9 às 5. Não é coincidência o facto de Hugo trabalhar em web-design. Ninguém nega a existência de quem se safe, melhor, de quem se safe fazendo o que gosta. Fá-lo porque goza de um mercado de trabalho desequilibrado a seu favor, uma situação que, no entanto, se poderá facilmente inverter (não convém, deste ponto de vista, que muita gente leia o artigo). O que o artigo não menciona, propositadamente, é o número daqueles que se conseguem reconhecer nesta condição.

3. As qualidades evocadas pela peça, do ficar alojado em casa de amigos ao viajar muito, indicam o quão o mundo do trabalho passou a exigir mais do que qualificações. Não as dispensando (o que, por si só, dado o enclave classista em que a universidade se tornou, traduz o «universo» representado pelos «desenrascados»), os requisitos de contratação são igualmente determinados pelo domínio das competências: o arriscar, o vencer todas as dificuldades, o não ter casa fixa, o viajar num dia e viajar no outro, o estar em todo o lado a toda a hora, o conhecer toda a gente e mais alguma. Em suma, tudo aquilo que era subversivo nos anos 60.

4. Para os que não fizeram isto, azar. A ideia a ter é que mesmo sem dinheiro para as propinas da faculdade ou para viajar (mesmo em low cost) podiam-no tê-lo feito. Veja-se o Bill Gates. Ou o caso daquela pessoa que ninguém conhece, mas toda a gente ouviu falar. Se acabaram no call-center é porque assim o quiseram.

5. Porém, mesmo para aqueles que conseguiram «vencer», até que ponto é que uma vida de projectos, de objectivos a cumprir, do trabalho não das 9 às 5 mas das 22 às 6, é um mar de rosas? O rendimento imprevisível, os períodos sem trabalho, o pagamento por inteiro de todos os deveres de uma empresa (ou de uma marca, conforme exposto no artigo), o stress dos prazos a cumprir, todos eles são elementos expurgados da descrição do estilo de vida empreendedor.

6. No fundo, não interessam. Porque, no final do dia, podemos ouvir o último álbum que sacámos da net ou dar algum sentido à nossa vida ajudando ceguinhos a ler ou crianças famintas em África. No outro dia, o projecto continua.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Pode um Partido Socialista ter medo do Socialismo?

Aproxima-se o vigésimo aniversário da queda da URSS. Estávamos em 1991 e para muitos esse ano marcou o fim do século XX. Iniciava-se então uma nova era cujo signo seria o da liberdade.



Negada pelos regimes socialistas da Europa de Leste, a liberdade seria agora rainha e senhora. Sem muros nem a meias, o mundo seria livre e seria mundo, a sua superfície aplanada e alisada, disponível para nele circularem tudo e todos, de tal modo que as economias nacionais e regionais se desenvolveriam combinadamente, acumulando-se riqueza, dinheiro, progresso. Depois, mais tarde, num futuro mais ou menos longínquo, tudo acabaria por escorrer, do topo da pirâmide até cá abaixo, a caminho da felicidade e da abundância gerais. Em suma, a liberdade política traria a igualdade económica.



O fim da URSS trouxe mudanças importantes nas esquerdas partidárias europeias. Os partidos comunistas ressentiram-se imediatamente da débacle, alguns de modo fatal, outros conservando ainda hoje uma parte importante das suas forças, caso do PCP. Os partidos social-democratas, por sua vez, reclamaram a queda da URSS como uma vitória sua e beneficiaram eleitoralmente com a crise dos rivais comunistas, conforme testemunha o PS dos anos 90. Finalmente, mais à esquerda, abriu-se um espaço para correntes que, a partir de tradições radicais, e juntando-lhes comunistas e social-democratas desavindos com o seu passado, souberam trilhar um caminho de crítica da globalização capitalista sem guardar nostalgia pelos regimes socialistas do leste – foi o caso do BE.



Este novo cenário acalentou junto de algumas pessoas novas hipóteses de uma aliança entre os partidos de esquerda. Cessando a divisão do mundo entre o capitalismo ocidental e o socialismo de leste, cessava um obstáculo importante entre as esquerdas portuguesas. À nova situação geopolítica, juntava-se ainda a auto-crítica do PCP relativamente às experiências de leste, que o levou a revalorizar a ideia de liberdade política, diminuindo a sua distância face aos valores liberais dominantes. O próprio BE, que em parte alimentara uma ideia de liberdade política mais próxima de uma democracia de cariz basista, inspirada na crítica revolucionária da burocracia e do estatismo dos regimes de leste, rapidamente acabaria por redundar num partido parlamentar convencional.



Em suma, não tem sido o respeito pela liberdade política, nem as divergências – que as há – em relação ao que se entende por democracia política, que tem impedido aproximações entre as esquerdas partidárias. O principal motivo de afastamento reside no respeito pelo princípio da igualdade económica. Com a queda da URSS, e apesar da maior influência do liberalismo, PCP e BE continuaram, porventura de um modo mais tímido, a atribuir relevância significativa à ideia de igualdade económica. Já no campo do PS, essa ideia parece ter sido definitivamente secundarizada. Os socialistas portugueses participaram activamente do argumento segundo o qual todos os que lutam pela igualdade económica acabarão por negar a liberdade política. Propostas no sentido de uma menor liberdade comercial em nome de uma maior igualdade económica foram uma e outra vez indiciadas pelo PS como prova de que a esquerda anticapitalista é refém do mesmo tipo de pulsão totalitária que terá caracterizado os regimes socialistas do Leste.



Para alguns, o rumo liberal do PS é fruto de uma sua rendição aos encantos da terceira via. Para outros, o PS é por definição um partido do centro, que tanto emergiu contra a sua esquerda como contra a sua direita, sem a ligação histórica ao movimento operário que por exemplo caracterizou a social-democracia alemã. E, no entanto, olhando para o último congresso de Sócrates e para este primeiro de Seguro, tudo parece necessariamente mais elementar: na vida do PS sobrelevam os sinais de que em curso está um simples ajuste de contas entre novas, velhas e futuras lideranças. Infelizmente, a desastrosa troca de cadeiras entre Seguro e António Costa é mais do que um simples episódio tragicómico. E o problema que se mantém no meio da sala do congresso, como o elefante que ninguém quer ver, é se pode um partido socialista ter medo do socialismo?

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terça-feira, 13 de setembro de 2011

exigir o impossível



Movimento cívico, democracia directa, desobediência civil, participação activa. Toda uma panóplia de conceitos que voltam à luz do dia, por via das indignações europeias ou das primaveras árabes.

No dia 4 de Maio de 1961, 6 anos depois da célebre tomada de posição de Rosa Parks, e alguns meses após a decisão do Supremo Tribunal de banir a segregação racial nos restaurantes e salas de espera dos terminais de autocarros em todo o país, sai de Washington o primeiro dos autocarros que ficaram conhecidos como Freedom Riders. Grupos de estudantes, brancos e pretos, nos mesmos autocarros que desafiavam o sul racista onde a lei de um tribunal pouco podia contra a herança da guerra da secessão. Não era sequer um acto de desobediência civil, no sentido em que a lei já estava alterada. Era apenas uma forma de dar visibilidade a uma injustiça clara, contínua e desumana. A oposição foi forte, autocarros incendiados, espancamentos brutais, e apesar da legalidade do acto em si, quase todos conheceram pela primeira vez a prisão.

É apenas um exemplo, como tantos outros poderiam ser enunciados, de quando a sociedade civil tentar ter uma voz activa na mudança. Dia 15 de Outubro há uma nova chamada para a rua, e a um mês dessa chamada queremos discutir essa influência que podemos ter, a melhor forma de a abordar, o posicionamento em relação ao activismo cívico e a nossa capacidade de mobilização. Convidamos assim todas as organizações que subscreveram o manifesto do 15 de Outubro, bem como todos os que pensem ou não participar nesta próxima tentativa de trazer a democracia para a rua, a ver o filme e a debater todas as questões sobre os movimentos cívicos que têm vindo à tona nestes últimos meses.

Será também projectado o filme Freedom Riders produzido pela cadeia de televisão pública americana PBS, sobre o movimentos dos direitos civis dos anos 60 nos Estados Unidos.

http://en.wikipedia.org/wiki/Freedom_riders

Filme mais jantar – 20h
Debate – 22h

Esquerda e direita na Universidade do Minho


Recebi esta chamada aos papéis (apenas em inglês, e não encontrei versão portuguesa), que poderá interessar.

 

"Left and Right: the Great Dichotomy Revisited," University of Minho, Braga, Portugal, March 23, 2012.


.. Ever since the French Revolution, the terms 'left' and 'right' have been used to frame and explain the political positioning of parties, voters and public policies. Although many thinkers claim that this dichotomy is exhausted and no longer provides an adequate understanding of contemporary political divisions, 'left' and 'right' remain central in political debate. But is the content of these terms really understood by all political actors? What does each individual or group recognize as 'left' and 'right'?

It is true that other classifications of political cleavages have been suggested, but none seems to have replaced the traditional division between left and right. Many people have thought that an opposition between materialist and post-materialist orientations or between libertarian and authoritarian values could cut across left and right. However, these new oppositions seem to have been absorbed, at least partly, by the old dichotomy. But is this really the case? Are there, in fact, no other sets of terms that might provide a clearer division of the political spectrum? The standard most commonly used to distinguish left from right has been the concern with equality. But is this social-economic criterion actually the best? Particularly at a time when very divisive “new politics” issues arise? And even if one accepts the validity of the traditional criterion, how can we describe and explain the approaches from left and right on equality issues?

Furthermore, there is more than one ideology within each side of the political spectrum – there is not only one left, there are several lefts, and the same is true about the right. If we accept that there is something that unifies these several lines within each side of the political divide, what, then, separates different views of the left or the right and allows us to distinguish between them? Which are the political values that are shared by the different ideologies on the left and on the right and which are those that keep them apart?

Contact BOTH Ana Rita Ferreira (
arita_ferreira@yahoo.com) and João Cardoso Rosas (rosas@ilch.uminho.pt) by November 30, 2011.

sábado, 10 de setembro de 2011

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Em 2010, Portugal era o terceiro país da União Europeia com maior índice de precariedade laboral. Cerca de 23,2% dos trabalhadores por conta de outrem estavam ligados à sua entidade patronal por um contrato a termo ou por outro tipo de vínculo precário. Ao longo deste livro focam-se diversos casos que reflectem uma realidade que se impôs progressivamente nas mais diversas esferas laborais, da fábrica ao call center, do trabalho doméstico aos centros comerciais. Mais do que um mero reflexo de uma «batalha entre gerações», apresentamos aqui um conjunto de investigações que procuram interpretar o fenómeno da precariedade no quadro da evolução das relações de trabalho no nosso país.

Foi você que pediu um ribeiro ferreira?

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O capitão Falcão


Há uma espécie de ave rara que se apresenta, neste momento de crise pronunciada, em notória expansão. A sua origem parece estar em lugares tão díspares como as redacções de certos jornais especializados em necrologia, certas empresas de comunicação ("empresarial" e "institucional"), para além da ocasional caverna troglodita. O assunto tem sido motivo de conversa ao mais alto nível e, entre um prato de caracóis e outro, a conclusão é sempre a mesma: há cada vez mais Capitães Falcão a escrever nos jornais.
O actual director do I leva alguma vantagem no concurso levado a cabo, semanalmente, com o nobre intuito de eleger o mais boçal dos reaccionários. Note-se que, apesar da regularidade das suas prestações e de alguns momentos empolgantes, a sua posição nunca está assegurada, como o demonstra o triste ocaso de Alberto Gonçalves, que durante muito tempo envergou orgulhosamente a camisola amarela. Nem a sua inquestionável alarvidade, nem o facto de a mesma se derramar simultaneamente pelas páginas do Diário de Notícias e pelos vídeos da Sábado (são poucos os leitores com estômago para tão brilhante prosa),  foi capaz de o manter sentado num trono pelo qual batalhou tão arduamente. 
António Ribeiro Ferreira não está em condições de se distrair, pois logo correria o risco de perder o lugar para outros elementos que se costumam destacar do pelotão. Helena Matos, desde logo, compensa bem a falta de ideias com o seu empenho. Henrique Raposo está permanentemente à espreita. E até Fernanda Câncio vem dando um pezinho de dança ao som da mesma música.
A distância que António Ribeiro Ferreira conseguiu assegurar - desde o seu tempo no Correio da Manhã - é em todo o caso minimamente confortável. Por exemplo, poucos conseguiriam ser tão notoriamente canídeos como ele relativamente a um governante e aos interesses que este se empenha em satisfazer: 
O tal serviço universal de saúde tendencialmente gratuito, que tanto adoram, ao ponto de morrerem por esta singela linha na Constituição, está longe de ser a tal sétima maravilha. E se está bem cotado a nível mundial, o que é uma verdade, também deve essa qualidade ao sector privado. Sim, mais de 42% dos serviços prestados pelo SNS são, afinal, da responsabilidade do sector privado. É por isso que Paulo Macedo, um renegado herege para a esquerda demagógica e as suas almas sofridas, diz sempre que é ministro, não do SNS, mas sim do sistema de saúde. Vá lá. Atirem-se ao rio, gritem por um novo 25 de Abril na saúde, façam o que quiserem, mas habituem-se. A desbunda no SNS está a acabar.
Da mesma maneira, até os que ocupam posições destacadas neste panteão ignóbil hesitariam em assinar uma prosa tão abertamente nostálgica do tempo da outra senhora como a que deu à praia esta semana:
Não há festa nem dança em que não apareçam os sindicatos e os sindicalistas a debitar opiniões, a meter o nariz onde não são chamados. Não há dia em que não apareça alguém a questionar as políticas de saúde, educação, segurança interna, defesa nacional, obras públicas e transportes.Há uns anos, muitos, Maldonado Gonelha disse que era preciso partir a espinha aos sindicatos. Na altura discutia-se a unicidade sindical e a criação de uma central alternativa à Intersindical comunista. Hoje, em 2011, com o país numa emergência nacional é urgente não só repetir a frase como pô-la em prática. Ainda por cima quando a irresponsabilidade sindical é patente em todos os domínios e os senhores teimam em não perceber que também ajudaram, e muito, a empurrar o país para a bancarrota.
Deverá haver alguma lógica em tudo isto, uma vez que o plano inclinado em que o espaço público mergulhou em data incerta tudo permite e autoriza. Nenhuma destas ideias (?), argumentos (?) ou posições é propriamente nova ou original. É apenas o lugar de destaque que lhes foi atribuído e o metódico empenho em fazê-las passar por algo de razoável (o que exige nada menos do que a remoção ou drástica redução de tudo o que possa contrastar com elas e, por essa via, sugerir a sua inanidade) que surge como  novidade.
Nunca faltaram fascistas com vontade de "partir a espinha aos sindicatos", nem ridículos fantoches que para isso apresentassem o previsível argumento patrioteiro (são sempre os sindicalistas "a empurrar o país para a bancarrota"). É o facto de uns e outros se lançarem a isso como fosse a mais simples e fácil das tarefas que verdadeiramente desconcerta, pois não só aquela espinha se apresenta muito mais sólida do que eles julgam como ainda, o que não é pouca coisa, se arriscam a encontrar pela frente algo muito mais ameaçador se por alguma imponderável razão o vierem a conseguir. Esquecem-se (e como poderia ser de outra forma?) que foram os conflitos sociais a dar forma aos sindicatos e não o contrário. Oxalá o venham a compreender rapidamente.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

a night out




Neste momento, na Baixa de Lisboa, decorre o evento Fashion Night Out. O objectivo, segundo me foi resumido, é levar os mais intimidados a entrar numa loja mais cara, abandonar repressões e traumas e mergulhar num mundo novo. Ou seja, tem a ver com o facto das lojas não estarem a conseguir vender tanto como precisam.

O argumento cosmopolita pareceu, no entanto, convencer as autoridades municipais. O cenário não é tão pornográfico como o da Praça Skoda, apropriada durante uns dias por uma empresa de automóveis. A maneira como as lojas conseguiram galgar as fronteiras das suas propriedades e invadir o espaço que é de todos não deixa de ser, por isso, bastante abjecta.

Entretanto, foi descoberta em São Paulo uma fábrica ilegal que produzia roupas para a Zara. Entre os trabalhadores, encontravam-se 16 bolivianos com cinco anos.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Sagacidade hereditária e modéstia postiça


Todos falam na política, muitos compõem livros dela, e no cabo nenhum a viu, nem sabe de que cor é. E atrevo-me a afirmar isto assim, porque, com eu ter poucos conhecimento dela, sei que é uma má peça, e que a estimam e aplaudem, como se fora boa; o que não fariam bons entendimentos, se a conheceram de pais e avós, tais, que quem lhos souber, mal poderá ter por bom o fruto que nasceu de tão más plantas. E para que não nos detenhamos em coisa trilhada, é de saber que no tempo em que Herodes matou os inocentes, deu um catarro tão grande no Diabo, que o fez vomitar peçonha; e desta se gerou um monstro, assim como nascem ratos ex materia putridi, ao qual chamaram os críticos Razão de Estado. E esta senhora saiu tão presumida, que tratou de casar, e seu pai a desposou com um mancebo robusto e de más manhas, que havia por nome Amor Próprio, filho bastardo da primeira desobediência. De ambos nasceu uma filha a que chamaram Dona Política. Dotaram-na de sagacidade hereditária e modéstia postiça. Criou-se nas cortes de grandes príncipes, embrulhou-os a todos.
Manuel da Costa, A arte de furtar, 1652

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

fósforo sem ponta por onde se lhe pegue




Passos Coelho afirmou existirem em Portugal, e cito, “aqueles que pensam que podem incendiar as ruas e ajudar a queimar Portugal. Pode haver quem se entusiasme com as redes sociais e com aquilo que vê lá fora, esperando trazer o tumulto para as ruas de Portugal”.

A resposta a dirigir a tal questão não é, num primeiro momento, uma resposta. Pois a primeira reacção a uma frase como esta só pode ser a surpresa, sentimento frequentemente expresso pela interrogação. Porquê? Aonde? Quem é que quer queimar Portugal?

E a segunda resposta que nos vem à cabeça, desta vez sem se limitar à mera inquirição, é… a indústria do papel. Queimar florestas para depois construir eucaliptos. Poderá ser igualmente um grupo económico dos grandes, daqueles que querem construir resorts e campos de golfe. Embora o sobreiro vá melhor com o bulldozer.

Passo Coelho poderia ter sido mais específico, apontando dedos a nomes e nomeando factos (de preferência, recentes). Se não o fez, o motivo é simples: não há nada nem ninguém para apontar. E Coelho sabe perfeitamente disso.

Como tal, apenas posso concluir que a sua intenção é, ou a intimidação, num contexto em que estão marcadas várias manifestações para os próximos meses, ou a preparação do terreno para algo bem pior. Tão grave que, à semelhança do método usado pelo primeiro-ministro, nem sequer me atrevo a desenvolver. Para ver se, assim, assusto alguém com todas estas frases sem sujeito e só com predicado.

Por chico-esperto, chico-esperto e meio.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Os Destruidores de Máquinas

Em Inglaterra celebra-se o bicentenário do general Ludd. Não teve cerimónias de Estado, mas nem por isso o espectro de Ludd deixa de pairar sobre as ilhas britânicas…



Haverá melhor maneira de evocar a memória de Ludd que fazer incidir as luzes sobre o actual levantamento dos amotinados londrinos? Antes de responder concentremo-nos nesse longínquo século xix, ao encontro do velho Ludd.

Foi há duzentos anos, num território que ficaria conhecido como o triângulo ludita, entre as cidades de Manchester, Leeds e Nottingham, não muito longe, portanto, da área de influência de Robin dos Bosques. Um número inusitado de desafios à ordem pública e violações da propriedade privada fez soar o alarme junto de autoridades públicas e privadas. Fogos postos e saques colectivos ou individuais, somados a outros tantos raides nocturnos dirigidos a propriedades agrícolas, e ainda vários actos de sabotagem industrial, em muitos casos contra as máquinas que começavam a tomar conta do chão da fábrica, marcavam o início de uma onda de revoltas e protestos que duraria de 1811 a 1813.

Foram os anos do ludismo. Ainda hoje não é fácil saber ao certo quem eram os luditas. Entre eles encontravam-se seguramente artesãos, tecelões e fiadores. Reivindicavam frequentemente as suas acções assinando-as general Ludd ou simplesmente Ludd. Apelido imaginário, por certo, mas noticiado em jornais de parede, ao estilo agit-prop. A fama de Ludd beneficiou do prestígio avolumado pelas redes sociais tecidas pelos migrantes, que iam dando conta dos seus feitos, de localidade em localidade, numa época em que se intensificava a circulação de mão-de-obra. Insolente, Ludd vigiava o patrão menos escrupuloso da região, com carta ameaçadora na caixa de correio, mas também chegou a ser citado em petições parlamentares.

Em que contexto decorre a emergência do ludismo? A crise comercial em Inglaterra e o conflito com Napoleão são circunstâncias relevantes. A estes soma-se o impacto da nova maquinaria introduzida no quadro da revolução industrial; é razoável pensarmos que entre as motivações dos destruidores de máquinas estaria o desejo de conservar o posto de emprego. Nenhuma destas circunstâncias, contudo, parece ter comovido as autoridades. Se em alguns casos ainda encontramos sinais de uma resposta de tipo paternalista, foi repressão pura e dura que recaiu sobre os luditas, numa enorme operação militar e judicial. Esta criminalização deixou sequelas na memória e não é estranha a que os próprios historiadores, ao longo dos séculos xix e xx, tenham olhado para o ludismo com desprezo ou, na melhor das hipóteses, com a condescendência que lhes merecem os vencidos. A historiografia considerou os luditas mero sintoma da transição estrutural da época pré-industrial para o mundo da técnica. O retardado Ludd destruiria máquinas movido por um impulso irracional contra o progresso, diziam uns, enquanto outros referiam que os luditas se revoltariam por nítido desespero, como animais que atacam descontroladamente tudo e todos ao sentirem o estômago vazio.

Nas últimas décadas, porém, a situação modificou-se, em particular devido ao trabalho de uma geração de historiadores marxistas britânicos. Para o caso é particularmente relevante o artigo publicado em 1952 por Eric Hobsbawm e cujo título resgatei para dar mote a esta crónica. Pôs a hipótese de deixarmos de considerar homens e mulheres como os luditas enquanto sujeitos apolíticos. Não que os passemos a considerar actores políticos à semelhança dos "grandes homens" que comandam a ordem oficial - Ludd não é Churchill, Thatcher ou Obama - ou das "massas" em nome das quais falam os críticos oficiais da ordem - os luditas não são a classe de Lenine. Mas olhar de igual para os luditas obriga-nos a questionar permanentemente onde começa e acaba a política. E se entre os motins londrinos de 2011 e a vaga ludita iniciada em 1811 existem seguramente inúmeras diferenças, aproxima-os a circunstância de uns e outros permitirem que questionemos a crença de que só poucos - a "classe política" ou a "elite empresarial" - têm o direito histórico de agir sobre a cidade.



publicado aqui