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quinta-feira, 23 de junho de 2011

Elas sentaram-se a falar à roda de uma mesa a ver como podia ser sem os patrões

7. REVOLUÇÃO

Elas fizeram greves de braços caídos. Elas brigaram em casa para ir ao sindicato e à junta. Elas gritaram à vizinha que era fascista. Elas souberam dizer salário igual e creches e cantinas. Elas vieram para a rua de encarnado. Eles foram pedir para ali uma estrada de alcatrão e canos de água. Elas gritaram muito. Elas encheram as ruas de cravos. Elas disseram à mãe e à sogra que isso era dantes. Elas trouxeram alento e sopa aos quartéis e à rua. Elas foram para as portas de armas com os filhos ao colo. Elas ouviram faltar de uma grande mudança que ia entrar pelas casas. Elas choraram no cais agarradas aos filhos que vinham da guerra. Elas choraram de ver o pai a guerrear com o filho. Elas tiveram medo e foram e não foram. Elas aprenderam a mexer nos livros de contas e nas alfaias das herdades abandonadas. Elas dobraram em quatro um papel que levava dentro urna cruzinha laboriosa. Elas sentaram-se a falar à roda de uma mesa a ver como podia ser sem os patrões. Elas levantaram o braço nas grandes assembleias. Elas costuraram bandeiras e bordaram a fio amarelo pequenas foices e martelos. Elas disseram à mãe, segure-me aqui os cachopos, senhora, que a gente vai de camioneta a Lisboa dizer-lhes como é. Elas vieram dos arrebaldes com o fogão à cabeça ocupar uma parte de casa fechada. Elas estenderam roupa a cantar, com as armas que temos na mão. Elas diziam tu às pessoas com estudos e aos outros homens. Elas iam e não sabiam para aonde, mas que iam. Elas acendem o lume. Elas cortam o pão e aquecem o café esfriado. São elas que acordam pela manhã as bestas, os homens e as crianças adormecidas.
Maria Velho da Costa, "Revolução e mulheres"

Continua aqui

Elas disseram à mãe e à sogra que isso era dantes


  
Já aqui tenho postado uns bocados de Cravo, da Maria Velho da Costa. E continuarei a fazê-lo, porque esta colectânea, datada de 1976, inclui alguns dos melhores textos escritos quando o 25 de Abril ainda estava quentinho. O melhor de entre todos estes talvez seja o "Revolução e Mulheres", de Dezembro de 75. É mais que conhecido, mas como é coisa que devemos ler aí uma vez por ano vale a pena pôr de novo a circular. Está dividido em sete partes, e vou postá-las aos poucos, uma de cada vez, e pela ordem inversa (make of that what you will):

1. Reconstituição da Força de Trabalho
2. Reprodução da Força de Trabalho.
3. Produção.
4. Serviços.
5. Transmissão de ideologia 
6. Produção de desejo
7. Revolução.

O que interessa vem num post já a seguir, e nos outros que se seguem.