domingo, 19 de fevereiro de 2012

A queda dos príncipes e dos seus conselheiros

(artigo publicado no jornal i, quinta-feira passada)

Em Portugal, por estes dias, enquanto uns aguardam desesperançados a chegada dos ventos gregos da crise, outros, mais esperançados, vão aspirando os ventos gregos da revolta.

Mas há ainda quem esteja noutro cumprimento de onda. E se esfalfe em tentativas atrás de tentativas para salvar o sistema de representação política. Dou dois exemplos recentes, um de direita, outro de esquerda.

Começamos pela tentativa de direita, provavelmente a mais ousada dos últimos tempos, que a muitos terá parecido, por isso mesmo, a mais patética, sem que por isso, acrescento eu, seja risível. Refiro-me aos esforços levados a cabo pelos recentes signatários de um abaixo-assinado destinado a reclamar o regresso da monarquia. Face à quebra de popularidade do Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, personalidades como Gonçalo Ribeiro Telles, Pedro Ayres de Magalhães ou Miguel Esteves Cardoso entenderam oportuno colocar no nosso horizonte de poder a figura de Dom Duarte. O que me parece importante sublinhar nesta proposta não é a questão do regime, se república ou se monarquia. Ou melhor, esta proposta de regresso à monarquia deve ser lida como mais um contributo para a actual tendência em curso de defender o sistema representativo a todo o custo, se preciso for contra o princípio de que é necessário os governantes serem seleccionados pelo voto popular. Em Itália e na Grécia, é já nesse cenário que vivemos, com a sorte ou o azar de ser um tecnocrata e não um nobre senhor a tutelar os destinos do país.

À esquerda, o caminho para salvar o sistema de representação política parece outro. Trata-se de procurar reinventar a oferta partidária de modo a dar novo ânimo ao sistema político representativo. Mais concretamente, trata-se de corrigir o que se considera ser o desequilíbrio fundamental do sistema representativo português. Que desequilíbrio é esse? Segundo o cientista político André Freire, um dos mais empreendedores activistas desta tentativa de salvar o sistema à esquerda, o desequilíbrio consiste no facto de nunca se ter conseguido fazer à esquerda o que se faz à direita: se PSD e PP formaram e formam governos, PS e PCP (ou, mais recentemente, BE) desunem-se mais do que se unem. Esta disparidade empurra o sistema invariavelmente para o centro em que agora corre o risco de se afundar. A solução para evitar o naufrágio que é avançada pela esquerda de Freire e alguns outros passa por conseguir um governo de coligação de esquerda. Neste sentido, desenvolvem-se esforços, como gostam de dizer os próprios esforçados. Os mais hercúleos nesta tarefa são os 5 ou 6 ex-militantes do PCP que fazem uma associação política chamada Renovação Comunista e que decidiram agora reunir com a direcção do Partido Socialista para procurar soluções de convergência à esquerda. A estes esforços somam-se ainda cronistas como Daniel Oliveira, que parece (e que me corrija se estiver a ser injusto) alimentar a esperança na formação de um novo partido à esquerda, algures entre o PS e o BE, porventura liderado por uma figura bem mais credível do que Dom Duarte, mas que, curiosamente, se perpetuou no poder por um tempo suficiente para fazer inveja a alguns reis: Manuel Carvalho da Silva.

Entendamo-nos: não tenho nenhum respeito pela tentativa monárquica de salvar o sistema de representação mas creio que a esquerda comete um erro semelhante. Que erro? Recusar a hipótese de o sistema representativo não ter salvação e de ser necessário começar a construir novas instituições políticas, obrigatoriamente democráticas e, ainda assim, ou por causa, apartadas dos princípios de representação que nos têm governado ao longo do século XX, em ditadura como em democracia, em monarquia como em república. Em vez de falarmos apenas da crise do sistema representativo, poderíamos começar a perguntar se o sistema representativo não é, ele mesmo, a crise. Essa pergunta tem sido feita pelos movimentos sociais que no último ano e meio têm feito o seu caminho um pouco por todo o mundo. E onde não há (é uma constatação mas também um desejo) nomeação de reis como Dom Duarte ou eleição de príncipes como Carvalho da Silva, nem paciência para os seus conselheiros.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Fogo grego


Durante a Idade Média tornou-se célebre uma substância de misteriosa composição, conhecida como fogo grego. Tratava-se de um líquido inflamável, expelido por um sifão e utilizado especialmente em batalhas navais pelos bizantinos, antepassados dos gregos modernos. Os testemunhos da época descreveram-no como um prodígio, uma vez que os incêndios que provocava não podiam ser apagados com água, que, pelo contrário, se limitava a difundir as chamas e a fazê-las crescer. O fogo grego só podia ser apagado recorrendo a substâncias pouco ortodoxas: areia, vinagre e urina.
Alguma coisa terá mudado desde os tempos remotos de Kallinikos, a quem foi atribuída a invenção. E contudo, não são poucos os incêndios atuais ampliados pelos métodos empregues para os apagar. Muitos litros depois, parece cada vez mais claro que toda a água do mundo não apagará o fogo que consome a Grécia e que vai aquecendo Portugal. A ameaça de fechar a torneira parece surtir por isso um efeito cada vez menor.
O Hospital Geral de Kilkis entrou em autogestão por decisão dos seus trabalhadores, que respondem assim com democracia directa ao regime de austeridade musculada imposto pelos credores, enquanto os Sindicatos da Polícia colocaram a prémio a cabeça dos representantes da troika UE/FMI/BCE.
É bem possível que, depois de terem oferecido tanto ao mundo, os gregos estejam prestes a ensinar-nos o melhor método para controlar esta deflagração: é preciso queimar os fósforos nas mãos dos incendiários. Um pouco de chuva dourada também não está fora de questão.  
Fogo grego, Jornal I

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Fordismo e pós-fordismo



O desenvolvimento do modo de produção capitalista no século XX potenciou uma aceleração das transformações na esfera produtiva, com um impacto assinalável em diversas esferas da vida social: da escola ao trabalho, das relações familiares às instituições do Estado. A existência de ciclos económicos assentes no desenvolvimento de paradigmas tecnológicos, políticos e sociais vem sendo por isso objecto da atenção de vários investigadores, tendo sugerido a classificação de períodos históricos em função das formas predominantes de relação entre trabalho e capital, dos sectores industriais estruturantes do crescimento económico e das inovações tecnológicas com maior impacto no processo produtivo.
O termo “fordismo” foi avançado, nesse contexto, como definição para um período iniciado na primeira metade do século XX e assinalado pela massificação da produção e do consumo, pelos elevados elementos de mecanização, racionalização e estandardização implícitos no desenvolvimento de linhas de montagem, pela centralidade da indústria automóvel e petroquímica, por sofisticadas técnicas de regulação das relações de trabalho e pela crescente intervenção, directa e indirecta, do Estado na actividade económica.
O termo “pós-fordismo” foi avançado, por outro lado, para caraterizar o conjunto das transformações verificadas, a partir da década de Setenta, ao nível das formas de organização do trabalho, da natureza da intervenção do Estado e dos paradigmas tecnológicos aplicados à produção. Diferentes noções emergiram no intuito de classificar estas transformações. “Neofordismo”, “especialização flexível”, “toyotismo”, “capitalismo tardio”, “biopolítica”, ou, mais recentemente, “informacionalismo” e “regime de acumulação financeirizado” são algumas delas. Contudo, o termo  “pós-fordismo” consagrou-se na literatura especializada por ser uma noção aberta à plasticidade de um processo multidimensional e em permanente atualização.
Este colóquio propõe-se interrogar as lógicas e dinâmicas destes dois paradigmas, os contextos que presidiram à sua afirmação, as mudanças que estiveram na sua origem e os conflitos a que dão forma.

Mais informações acerca da Conferência Internacional «Fordismo e pós-Fordismo: ciclos e transformações na sociedade contemporânea» podem ser consultadas aqui.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Cada vez mais classe


A cada dia se consolida, no espaço público português, uma marca de classe na apresentação das notícias e nos comentários políticos. Por exemplo, a transferência de domicílio fiscal pelas principais empresas portuguesas é uma decisão inteiramente racional, que nos devia fazer reflectir sobre a falta de competitividade fiscal do país. Não assim a decisão dos trabalhadores dos transportes, que entraram em greve contra um plano de reestruturação do sector assente na deterioração dos serviços, no aumento dos preços e no congelamento salarial: trata-se de uma demonstração anti-patriótica de defesa corporativa de direitos adquiridos, absolutamente irresponsável no difícil momento que o país atravessa.