É oficial, Jarvis Cocker tem livro. Intitulado «Mother, Brother, Lover» (Faber and Faber, 2011), o livro reúne as letras que o vocalista dos Pulp escreveu entre 1983 e 2009. Nelas identificamos a faceirice, a flama e o fulgor que caracterizam os grandes escritores de canções. Mas panteões não são os melhores lugares para arrumar aquele que pretende viver a sua vida como gente comum e escrever canções sobre os aspectos mais triviais da vida quotidiana. Imbuído do espírito de Henri Lefebvre, Jarvis sugere que o homem deve sê-lo na vida diária, por isso aconselha-nos a acasalar o «mudar o mundo» de Marx com o «mudar de vida» de Rimbaud, transformando esses dois princípios num só. Segundo as contas do Godard, que nunca foi bom a matemática, one plus one daria Rolling Stones.
Contrariamente à maioria dos escritores de canções, Jarvis tem algo a dizer. Owen Hatherley percebeu isso e resolveu editar o ensaio «Uncommon. An essay on Pulp» (Zero Books, 2011), que é um livro bem jeitoso, sobretudo porque encontra na obra dos Pulp a resposta para três problemas da vida diária. A saber: sexo, urbanismo e classe.
Sexo: Jarvis é um dos melhores criadores de personagens femininas do universo pop, superando claramente Bryan Ferry, que devia ser estudado nos seminários de Lacan, tal o número de fantasias que Ferry produziu sobre o segundo sexo. Confiram-se as suas letras sobre mulheres intocáveis, pins-ups embalsamadas e capas de disco dos Roxy Music que se assemelham a calendários de camionista, mas para gente aprumada. Neste compêndio de fantasias, as mulheres personificariam o «objet petit a», um objecto de desejo sempre inalcançável e inatingível, como se Bryan Ferry temesse que o seu ideal de beleza se desvanecesse caso se corporizasse, ver por exemplo a canção «Beauty Queen». Jarvis, por seu turno, manda os idealismos às urtigas, como comprovam os gemidos, uivos e suspiros que abundam nas suas canções. As quais optam por relatar os pormenores mais sórdidos e mundanos da vida comum, como a virgindade («do you remember the first time»), adultério («acrylic afternoons»), voyeurismo («i spy»), etc.
Urbanismo: os subúrbios de Sheffield como nunca antes os vimos e as vicissitudes de uma cidade pós-industrial, cheia blocos, torres, tédio, frustração e desemprego.
Classe: em meados da década de 1990 os Pulp lançaram o mote: «I’m common». Segundo Marx, o comum seria a «expressão positiva da abolição da propriedade privada» (para mais informações ver artigo de Michael Hardt, «O comum no comunismo», no número 1 da sensacional revista Imprópria). Os Pulp sempre pertenceram a uma «classe diferente», como comprova a canção «Mis-Shapes» que, além de ser a melhor canção de intervenção da história da pop, é um convite expresso para entrarmos na luta de classe contra classe, até à vitória final, viva a classe operária, abaixo o capital. Pondo em termos cockerianos: «they think the’ve got us beat but revenge is going to be so sweet».
Embora as aspirações à totalidade estejam patentes nas letras de Jarvis Cocker, ele autoavalia a sua obra de forma mais modesta. No prefácio de «Mother, Brother, Lover», Jarvis realiza o habitual exercício de falsa modéstia, dizendo que a pop não é ópera, e que o comum dos mortais está-se cagando, para citar o ex-presidente do benfas Vilavinho, para as letras das canções. Para nos alertar para a inutilidade das letras, Jarvis veste a farda de historiador, contando-nos a história do clássico rock, «Louie, Louie» que, segundo rezam as crónicas, foi objecto de investigação do FBI porque um ouvinte mais fantasioso terá ouvido o seguinte verso na canção: «i felt my boner in her hair». Após longa investigação, o FBI afirmou que não estava habilitado para interpretar o significado da letra, dado que ela era demasiado obscura. Jarvis retirou os seguintes ensinamentos deste episódio: se nem o FBI descobre sobre o que é que tu estás a cantar para quê escreveres canções? Por outro lado, se ninguém ouve as tuas letras, e se estas não interessam a ninguém, porque não escreveres sobre tudo o que te der na telha, documentando a história da tua vida, real e imaginária, com canções pop? Foi isso que Jarvis decidiu fazer. E decidiu bem, penso eu de que...
Contrariamente à maioria dos escritores de canções, Jarvis tem algo a dizer. Owen Hatherley percebeu isso e resolveu editar o ensaio «Uncommon. An essay on Pulp» (Zero Books, 2011), que é um livro bem jeitoso, sobretudo porque encontra na obra dos Pulp a resposta para três problemas da vida diária. A saber: sexo, urbanismo e classe.
Sexo: Jarvis é um dos melhores criadores de personagens femininas do universo pop, superando claramente Bryan Ferry, que devia ser estudado nos seminários de Lacan, tal o número de fantasias que Ferry produziu sobre o segundo sexo. Confiram-se as suas letras sobre mulheres intocáveis, pins-ups embalsamadas e capas de disco dos Roxy Music que se assemelham a calendários de camionista, mas para gente aprumada. Neste compêndio de fantasias, as mulheres personificariam o «objet petit a», um objecto de desejo sempre inalcançável e inatingível, como se Bryan Ferry temesse que o seu ideal de beleza se desvanecesse caso se corporizasse, ver por exemplo a canção «Beauty Queen». Jarvis, por seu turno, manda os idealismos às urtigas, como comprovam os gemidos, uivos e suspiros que abundam nas suas canções. As quais optam por relatar os pormenores mais sórdidos e mundanos da vida comum, como a virgindade («do you remember the first time»), adultério («acrylic afternoons»), voyeurismo («i spy»), etc.
Urbanismo: os subúrbios de Sheffield como nunca antes os vimos e as vicissitudes de uma cidade pós-industrial, cheia blocos, torres, tédio, frustração e desemprego.
Classe: em meados da década de 1990 os Pulp lançaram o mote: «I’m common». Segundo Marx, o comum seria a «expressão positiva da abolição da propriedade privada» (para mais informações ver artigo de Michael Hardt, «O comum no comunismo», no número 1 da sensacional revista Imprópria). Os Pulp sempre pertenceram a uma «classe diferente», como comprova a canção «Mis-Shapes» que, além de ser a melhor canção de intervenção da história da pop, é um convite expresso para entrarmos na luta de classe contra classe, até à vitória final, viva a classe operária, abaixo o capital. Pondo em termos cockerianos: «they think the’ve got us beat but revenge is going to be so sweet».
Embora as aspirações à totalidade estejam patentes nas letras de Jarvis Cocker, ele autoavalia a sua obra de forma mais modesta. No prefácio de «Mother, Brother, Lover», Jarvis realiza o habitual exercício de falsa modéstia, dizendo que a pop não é ópera, e que o comum dos mortais está-se cagando, para citar o ex-presidente do benfas Vilavinho, para as letras das canções. Para nos alertar para a inutilidade das letras, Jarvis veste a farda de historiador, contando-nos a história do clássico rock, «Louie, Louie» que, segundo rezam as crónicas, foi objecto de investigação do FBI porque um ouvinte mais fantasioso terá ouvido o seguinte verso na canção: «i felt my boner in her hair». Após longa investigação, o FBI afirmou que não estava habilitado para interpretar o significado da letra, dado que ela era demasiado obscura. Jarvis retirou os seguintes ensinamentos deste episódio: se nem o FBI descobre sobre o que é que tu estás a cantar para quê escreveres canções? Por outro lado, se ninguém ouve as tuas letras, e se estas não interessam a ninguém, porque não escreveres sobre tudo o que te der na telha, documentando a história da tua vida, real e imaginária, com canções pop? Foi isso que Jarvis decidiu fazer. E decidiu bem, penso eu de que...