domingo, 25 de setembro de 2011

P.ullshit

1.O jornal Público criou um novo P. Depois do P2, dedicado às artes e letras, oferece-nos agora um P dedicado aos estilos de vida. O destaque, observável a partir do site do diário, não poderia fazer um melhor resumo do objectivo que se levanta: «A geração à rasca está a conseguir desenrascar-se». Não porque se manifestou nas ruas, não porque se organizou em colectivo, mas sim por ser uma «geração mundo» que “utiliza "low cost", “fica alojada em casa de amigos, mas não prescinde da viagem”, “faz voluntariado - por solidariedade, mas também por um melhor currículo, porque as empresas valorizam as "competências" que advêm dessa experiência. É a geração "download", da rapidez, diversidade e partilha na forma como consome cultura”.

2. Um dos artigos em hiperligação remete para a vida de Hugo Araújo, um free-lancer que apenas tem projectos e não trabalha das 9 às 5. Não é coincidência o facto de Hugo trabalhar em web-design. Ninguém nega a existência de quem se safe, melhor, de quem se safe fazendo o que gosta. Fá-lo porque goza de um mercado de trabalho desequilibrado a seu favor, uma situação que, no entanto, se poderá facilmente inverter (não convém, deste ponto de vista, que muita gente leia o artigo). O que o artigo não menciona, propositadamente, é o número daqueles que se conseguem reconhecer nesta condição.

3. As qualidades evocadas pela peça, do ficar alojado em casa de amigos ao viajar muito, indicam o quão o mundo do trabalho passou a exigir mais do que qualificações. Não as dispensando (o que, por si só, dado o enclave classista em que a universidade se tornou, traduz o «universo» representado pelos «desenrascados»), os requisitos de contratação são igualmente determinados pelo domínio das competências: o arriscar, o vencer todas as dificuldades, o não ter casa fixa, o viajar num dia e viajar no outro, o estar em todo o lado a toda a hora, o conhecer toda a gente e mais alguma. Em suma, tudo aquilo que era subversivo nos anos 60.

4. Para os que não fizeram isto, azar. A ideia a ter é que mesmo sem dinheiro para as propinas da faculdade ou para viajar (mesmo em low cost) podiam-no tê-lo feito. Veja-se o Bill Gates. Ou o caso daquela pessoa que ninguém conhece, mas toda a gente ouviu falar. Se acabaram no call-center é porque assim o quiseram.

5. Porém, mesmo para aqueles que conseguiram «vencer», até que ponto é que uma vida de projectos, de objectivos a cumprir, do trabalho não das 9 às 5 mas das 22 às 6, é um mar de rosas? O rendimento imprevisível, os períodos sem trabalho, o pagamento por inteiro de todos os deveres de uma empresa (ou de uma marca, conforme exposto no artigo), o stress dos prazos a cumprir, todos eles são elementos expurgados da descrição do estilo de vida empreendedor.

6. No fundo, não interessam. Porque, no final do dia, podemos ouvir o último álbum que sacámos da net ou dar algum sentido à nossa vida ajudando ceguinhos a ler ou crianças famintas em África. No outro dia, o projecto continua.

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