terça-feira, 21 de junho de 2011

Onde se fala de futebol e de Poe, a propósito de uma teoria científica do sujeito


No nosso futebol (meu poiso durante 28 anos, através do dirigismo no C.F. “Os Belenenses”) há dois campos bem estremados em liça: o dos que se fundamentam na sua vida de ex-profissionais e o dos que, teoricamente tão-só, falam de futebol, até à exaustão – escasseando, tanto num lado como noutro, a informação e a cultura. Trata-se de uma lacuna tão evidente... que ninguém vê! Ocorre-me o conto de Poe, “The Purloined Letter”.
A polícia parisiense procura, em vão, na casa de um suspeito, uma carta politicamente comprometedora. A polícia investiga os pontos mais escondidos e... nada! Em desespero de causa, o chefe da polícia solicitou a colaboração de Dupin, precursor de todos os detectives da literatura policial, que rapidamente encontrou a carta procurada. De facto, a carta não se encontrava em nenhum esconderijo de difícil acesso, mas à vista de toda a gente. E nisto consistia a astúcia: o seu ocultamento era a sua fácil visibilidade. Acontece o mesmo com o nosso futebol. É tão evidente a incultura e a desinformação, que o fragilizam, que se torna difícil descobri-las e entendê-las.
Daí que eu ouse propor a criação de um departamento de inteligência competitiva (DIC), nos clubes de futebol profissional, na selecção nacional de futebol, liderado por um doutor em Desporto e composto ainda por um filósofo, um psicólogo, um fisiologista (ou um médico) e um treinador de futebol. Com que objectivos? A criação de uma nova racionalidade, onde ciência e filosofia sejam complementares e portanto onde conhecer seja principalmente relacionar, contextualizar, organizar. E que ciência? Indubitavelmente, uma ciência hermenêutico-humana, dado que o futebol é menos uma actividade física do que uma actividade humana. Uma teoria científica do desporto é sempre uma teoria científica do sujeito.
Manuel Sérgio, A inteligência competitiva e o espectáculo desportivo

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