sábado, 18 de junho de 2011

KRSCHRRRSHKRR. É, no fundo, do que se trata.

Do folhetim "À farinha não se faz festinhas, que é uma porcaria. Ao povo também não." (Continua daqui




Ficha 2

Retomemos o fio à meada. Falava de coisas sérias e difíceis. Vejamos como nos aproximarmos.

Tenho queda para circunlocuções. São como as pastilhas elásticas coladas debaixo das mesas dos cafés: têm uma utilidade perversa. E dão tonturas. Um bocado como quando temos que atar os atacadores mas não há maneira do nó ficar direito e entretanto distraímo-nos, ou temos um nódoa na parte de baixo das calças e pomo-nos a esfregar para ver se sai e... Ou como quando nos pomos a pensar numa coisa e damos uma volta a mais na rosca reflexiva e faz aquele barulho parecido com os cabos de alta tensão quando chove. Ou quando vemos uma rapariga gira – ou um rapaz giro, conforme - e ficamos assim muito quietinhos e muito calados a fazer força subtilmente naqueles músculos da cara que sugerem um mundo interior faustoso, uma paisagem doce e agreste onde a melancolia e o humor, a inteligência e a ternura, a superioridade natural e a modéstia zelosamente adquirida se fundem num caldo de romantismo, inocência viril e espanto. E depois ouve-se assim: pffffsssst. 

Mas falava de ciência. Enfim, do povo, de padarias, mas sobretudo de ciência.

Vejam!, dizem as pessoas. Ou: vê lá que... e por aí fora. É disso, no fundo, que se trata. As pessoas não sabem bem do que falam quando dizem estas coisas. É para isso que há a ciência. Quando alguém não sabe bem do que fala, é aí que entra a ciência.

Isso e quando certas pessoas chegam à conclusão que não bastam os efeitos, é preciso as causas. As causas. Toda a espantosa e ruminante e espantosa papa em que mergulham as pernas muito fininhas das causas. Toda a tristeza das causas. Mas já estou a perder outra vez o fio à meada.

Traduzindo isto por miúdos: quando não basta – e não basta, de facto – olhar para a superfície dos detergentes da louça. É preciso ir mais fundo. Por isso falei do cerne.

Mas adiante.

O sem senso tem sempre, como o velcro,
uns ganchos pequeninos a que nos podemos agarrar.

KRSCHRRRSHKRR: isto podia ser o som do velcro, o som da nossa atenção a tentar agarrar-se aos pêlos do .... E dos cabos de alta tensão quando chove.

Mas não é disto que queria falar.

Ainda não, pelo menos. Ainda não.

É sempre bom começar por nos aproximarmos, ainda que com cautela. Vá! dizem as pessoas. E coisas como: meu amor, meu amor. E: em casa de ferreiro, nao sei quê. E: arranca-me lá isto que dói como o caraças! E aí percebe-se que a ciência faz muita falta. A questão do cerne, outra vez. A questão é: como perceber isto tudo.

E é disso, no fundo, que se trata.

No que toca ao povo, a aproximação é quase sempre a parte mais difícil.

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