quarta-feira, 15 de junho de 2011

Dois poemas de amor, pés e revoluções

(e de amigos, com uma década exacta entre eles):

Eu queria uma mulher que
estivesse numa companhia de dança e
fosse um golpe comunista dos antigos.


o que eu queria mesmo era trabalhar
numa sapataria cumprimentar as senhoras
apertar-lhes o pé
puxar-lhes o fecho da bota
deixar a mão sobre as canjas.


o que era bom era uma multidão
e tu a plenos pulmões
e nós por todo o lado no meio daquilo tudo
e nós num dia destes.


o que era mesmo bom era levar
o meu amor a casa.


e de volta
sintonizá-lo numa canção de rádio.


Nuno Moura

(Nova Asmática Portuguesa, Mariposa Azual, 2008)

O PREC EM 2008

o deus Silêncio ostenta as Inumeráveis
águas nesta apertada livraria de Lisboa
também ainda o primeiro título (poesia) de Manuel
António Pina em ano de revolução que


nesse tempo eram mesmo
a sério as revoluções e podíamos acrescentar-lhes pela rua
o nosso carme as madrugadas flores


agora um amigo diz-me: “esta
revolução não dá um passo!”


concedo, mas não desisto

incorro em certos delicados actos de guerrilha
por exemplo deixo poemas em cafés ou em pequenas
livrarias que ainda apoiam em segredo esta causa


revolucionária
depois mando as coordenadas sigilosas à amada
que no dia seguinte quase sempre
pela tarde os vai buscar


Miguel-Manso

(Quando escreve descalça-se, Trama, 2008)

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