Falei aqui da malvada da ideologia. Antes de continuar, faço apenas uma ressalva: os embaraços provocados pela noção de ideologia não se limitam, por certo, ao campo político. Não é assim tão raro que um historiador critique o trabalho de um colega acusando-o de ter abandonado as elementares regras científicas e de ter cedido às suas paixões ideológicas. Mas a questão da ideologia tem especificidades a nível do debate político. Concentro-me nos partidos de que estou próximo. E que por isso tenho mais vontade de criticar, o PCP e o BE. No campo do PCP a ideologia é um problema na medida em que parece só poder haver espaço para uma. Corre-se assim o risco de reduzir a ideologia a uma doutrina. A redução chegou a tal ponto que já não chega ser comunista para ser militante do PCP. Nem tão pouco marxista. Nem sequer marxista e leninista. É preciso ter sido abençoado pelo hífen do marxismo-leninismo. Dir-me-ão que nada disto é muito relevante quotidianamente. Que há uma cultura política que abrange a questão teórica mas que a ela não se restringe. Que quando um militante faz uma proposta não há quem vá confirmar se é ou não conforme ao que reza o hífen. E eu em parte concordo. Mas só em parte. Porque a questão não é simplesmente a inexistência de condicionamento ao desvio ideológico. Mas é preciso, sim, haver um clima que estimule esse desvio. Ideologia sem desvio é culto identitário. E isto em nada obriga que o PCP renegue a sua história ou os seus princípios. História não é igual a identidade. E, quanto aos princípios, o Partido pode e deve continuar a ser fiel ao princípio comunista (e não apenas como um horizonte, mas também como início de qualquer prática) sem, porém, obrigar-se a muitos mais ismos (os defensores da doutrina podem não acreditar mas já havia comunismo antes de Marx). Quando falo de criatividade ideológica, não falo, aliás, do filósofo X ou Y que apresenta uma tese assim ou assado. Mas a de um partido feito por homens e mulheres que se reúnem em múltiplos espaços de debate e que fazem dessas reuniões momentos de experiência política teórico-empírica. Quanto ao BE, fica para o próximo post. Aí a questão é outra, não sei se melhor, se pior.
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