segunda-feira, 4 de julho de 2011

Poseur, moi?




Os pomposos e pífaros pintarolas que, como eu, escrevem em blogues, têm por vezes o azar de se cruzarem com gente honesta, daquela que nos diz umas verdades. Gente boa, gente de bem. Gente do bom, do bem, e do bem bom. Gente com voz de bagaço e vida dorida que, perante as nossas frases repolhudas, vocábulos retorcidos e tendência geral para armar aos cucos, grita:

E o arroz, a batata, o agrião, Cacilda!


É uma espécie de coro grego de cajado em punho, pronto para arriar nos pintarolas. Cumprem zelosamente a função social necessária de chamar a atenção do mundo para as nossas poses afectadas e bastante desconfortáveis. Como dizem os ingleses:



Ah, assim está melhor.


A história que me traz a esta posta é prosaica e desinteressante: um singelo texto deixado por um Anónimo na caixa de comentários do tal Inquérito pateta. Era assim: “Que poser...” A acusação pouco me rala, mas muito me interessa, tanto no conteúdo como na forma. É uma coisa banal, claro. Pois é precisamente a sua banalidade que me atiça as engrenagens interpretativas. Notem desde logo a brevidade enfastiada das duas palavrinhas, para sublinhar o contraste com o meu relambório retorcido, e assim provar na prática a vantagem moral do curto e grosso. Que. Poser. Toda uma economia moral do estilo. Toma lá que já almoçaste. E é comida honesta, sem mariquices – ainda que com traslação de estranhos estrangeirismos, o que estraga um bocado o figurino. As reticências são uma espécie de suspiro. É como quem diz: olha, nem é preciso dizer mais mas...


A acusação é certamente justificada, como me vou esforçando por confirmar. Fica desde já a confissão e contrição, que é no fundo o que se pede: guilty as charged. Pediram-me um retrato e fiz caretas. Faço-o desde miúdo. O mesmo na dança: falta-me aisance e charme naturel. Como sou tosco, não danço: poso. Artificial e esquisito que nem um serpentinado Cristo maneirista com reumático. Não danço, cito. Ironizo, desvio, relembro, recrio. Sou, digamos assim, metade triste metade brecht.

Na escrita, não é só que não sei. E não sei. É que não quero. Sou, por assim dizer, da escola César Monteiro. Montamos o nosso teatrinho perverso. Deixamos a natureza entrar, mas para a desviar das suas manias de ser natural.


Mas vamos à palavra. Poser. Eu costumo escrever poseur, mas pronto. Poser é também "a question or problem that is puzzling or confusing." Nesse caso obrigado. Mas vamos assumir que era a outra coisa. 


Poseur. Termo pejorativo. O poseur é um impostor, um fingidor, uma fraude. Vá lá, uma fraudezinha. Afectado, falso. Pseudo – dizia muitas vezes o Debord e diz mais gente. É quem vai de modas. Tem uma longa história na cultura pop (o wikipédia, descobri eu, até tem uma entrada jeitosa sobre isto).


Supomos que há algo que seja o seu contrário. Em primeiro lugar, claro, não ser poseur. Mas podemos avançar outras hipóteses. O autêntico, o genuíno, o straight-talker. O pão pão e o queijo queijo. Sem alho um e sem ervas francesas o outro.  Se o poseur se faz passar por algo que não é, este nada disso: é o que é. The one and only. O autêntico e o genuíno. Parece que ajuda a vender cerveja e whisky. Diz que o povo o é, e por isso há ranchos folclóricos. Há mais no campo.




Pronto, não sei bem o que é o autêntico. De qualquer forma, adianto que no meu caso é irrelevante. Para o que interessa, aqui não há senão uma armadura de palavras sem cavaleiro lá dentro. Aliás, caso viesse a descobrir que tinha cá dentro um eu autêntico mandava-o tirar e oferecia-o. Depois ia comprar uma cópia barata à feira de Carcavelos. Se tudo correr bem, é para gastar depressa.

No fundo, diz-me o senhor (ou senhora) Anónimo: este gajo está pr'áqui com merdas. É tudo pr'ó estilo. A tapar o sol com as peneiras. A falar para a galeria. A armar-se: ao pingarelho, ao cágado, aos cucos e a essa bicharada toda.

Já vimos que sim. Suponho que não nos armarmos seria responder a direito, o que quer que isso seja. Vai-se a ver e até queriam mesmo “ficar a conhecer-me melhor”. Querem saber o que lia quando era miúdo? E como era doce o doce de framboesa da nossa infância. Deixa lá. Sou muito pouco interessante. Vai antes um numerozinho de circo?

Estamos já a rondar o cerne da questão. Ou isso ou lentamente às voltas às voltas às voltas do proverbial ralo.


O resto fica para daqui a bocado que já cansa. E tenho que ir jantar. Mas ouçam: o próximo post é que vai ser a arrebentar com esta merda toda. É que não estão bem a ver.  
 

2 comentários:

  1. Realmente há gente com muito tempo disponível, muitos parabéns, invejo-o. A mim não é tanto a falta de autenticidade que me enerva, é mesmo ver desperdiçado tanto talento a escrever posts de merda. Foda-se, tanto paleio para não dizer nada de jeito.

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  2. Caro anónimo,

    Acho que mesmo quando não se tem nada de jeito para dizer se deve dizê-lo com muito paleio. Porventura porque não tenho nada de jeito para dizer. Deixo esse juízo a outros, como você. Sem ressentimentos. É preciso não levarmos isto demasiado a sério. De qualquer modo obrigado pelo elogio que aparece aí pelo meio.

    Um abraço

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