sábado, 23 de julho de 2011

Portugal sem mais nada: os interesses nacionais (2)


Mas o interesse nacional, dizia, tem efeitos assinaláveis, como pudemos constatar no que já sobeja de 2011,  um verdadeiro ano da graça.
O Expresso, por exemplo, jornal de referência do liberalismo pátrio, já nos veio avisar que, apesar de defender "desde sempre, a liberdade de expressão e a liberdade de informar" e de repudiar "qualquer forma de censura ou pressão, seja ela legislativa, administrativa, política, económica ou cultural", não irá divulgar "notícias que mereciam ser publicadas em lugar de destaque" mas que sejam "eventualmente nocivas ao interesse nacional". O leitor um pouco mais informado - e decididamente mal-intencionado - recordaria com poucas saudades certos e determinados discursos, apostados em restituir o conforto das grandes certezas às almas dilaceradas pela dúvida e pelo negativismo do século.  Assim são as grandes certezas, quase sempre adversas às pequenas verdades. O resto, dizem-nos, é tão óbvio como aleatório: "O jornal reserva-se, como é óbvio, o direito de definir, caso a caso, a aplicação deste critério".
Mais recentemente veio  Pacheco Pereira, esse farol de pragmatismo político que tanto tem dado à pátria, escrever na Sábado acerca do imposto extraordinário sobre salários e pensões de reforma.  Trata-se ("sem dúvida") de uma "uma violação das promessas eleitorais do PSD e de toda a argumentação que foi usada contra o PS sobre a prioridade das receitas sobre as despesas e, caso se necessitassem mais receitas, de que o esforço seria nos impostos sobre o consumo e não sobre o rendimento". Mas não se trata de uma violação qualquer e, apesar de a democracia se ver por essa via ligeiramente viciada (não confundir com "asfixiada", o que seria completamente contrário ao património programático do PSD), acabou por predominar a mais importante das razões, que é, imagine-se só, o ...interesse nacional.
E ainda não é tudo, uma vez que o Bloco de Esquerda apresentou no Parlamento a proposta de criação de uma comissão para auditar a dívida portuguesa, expeditamente chumbada pela maioria governamental e pelos deputados do PS (com uma excepção) porque poderia "lançar à partida uma suspeição sobre a nossa dívida" (que é, como todos sabemos, absolutamente insuspeita), por ser "inoportuna" e “dar palco à especulação sobre a dívida” (especulação que, como se sabe, está longe de se abater sobre a "nossa dívida") ou, pior ainda, criar "uma comissão política com intenções políticas” (algo absolutamente indigno de um parlamento onde impere a preocupação com o interesse nacional) com o intuito de declarar parte da dívida "ilegítima" (e isto apesar de se conhecerem bem os seus pais e, bem assim, o conjunto da respectiva árvore genealógica). É do interesse nacional não fazer perguntas inoportunas, que possam perturbar os mercados e afugentar os investidores. É do interesse nacional pagar a tempo e horas, sem fazer muitas perguntas e dando graças ao Pai Natal por ainda haver um 12,5º mês. 
Bem se vê que isto do interesse nacional é matéria bem elástica, que dá ora à costa ora  ao largo, um pouco como o consumo, que ainda há pouco tempo era um sinal da modernização do país para agora se tornar uma das pragas do Egipto.
Razão tem a União de Leiria, que abandonou o estádio Magalhães Pessoa (a par das Amoreiras e de certa cassete VHS, uma das grandes obras com as quais Tomás Taveira serviu o interesse nacional), mais os seus "23 835 lugares, totalmente cobertos" para ir jogar para a Marinha Grande. O tempo que esta obra (emblemática de um grande desígnio nacional) levou a tornar-se um símbolo do despesismo (que tão contrário se revela ao interesse nacional), poderia deixar qualquer um zonzo. Razão acrescida para que o Expresso, "como é óbvio", não considere a relevância de noticiar semelhante decisão ou, muito menos, de investigar quem ao certo decidiu, participou e lucrou com tanto cimento aplicado num tão curto espaço e com tão discutível utilidade. Seria no mínimo inoportuno.
Talvez o Público + venha alterar este desconsolador cenário jornalístico. A menos que as seis grandes empresas do PSI-20 que o financiam lhe tenham colocado como horizonte inultrapassável a defesa do interesse nacional. Nesse caso, ainda nos arriscaremos a saber pelo Notícias da Amadora ou pelo Jornal do Barreiro que o litoral português foi vendido a um consórcio de investidores (de contornos por esclarecer), de maneira a reduzir o défice, sustentar a dívida, sossegar os mercados, evitar que os portugueses vivam acima das suas possibilidades e, naturalmente, defender o interesse nacional. O mesmo é dizer, Portugal sem mais nada.

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