sexta-feira, 1 de julho de 2011

A Ideologia não está cá! Tá tá!

CU-CU

Nos dias que correm, no discurso político e económico em particular, há uma dialéctica interessante entre a invisibilidade e a visibilidade. É uma espécie de jogo do Cu-Cu, ou peek-a-boo, como lhe chamam os anglo-saxónicos. Por um lado, a ideologia parece ter saído da sua oficina subterrânea, posto uma gravata, passado um pente pelo cabelo e, em frente às câmaras, anunciado ao mundo que fará tudo às claras. Nada na mão, nada na manga. A mão invisível, tendo feito tantos estragos, teve que perder a vergonha. Por outro lado, como seria de esperar, vão-se fazendo pequenos passes de mágica para converter o Ideológico em natural e inevitável - que é afinal, a própria definição de Ideologia.
O processo tem muitas variações e idas e vindas. Os partidos do governo põem um ar pesaroso e enroscam-se bem na longa capa negra da necessidade, ao mesmo tempo que mostram o peito inchado, estampado com um programa de garridas e rijas cores liberais. É evidente que precisamos de desmontar o programa com a ferocidade, o desapego e a casmurrice com que um puto de cinco anos esfrangalha um brinquedo de que se fartou. Chamemos os bois pelos nomes, sim senhor. Mas reconheçamos, ao mesmo tempo, que não são os papões reaccionários de goelas medonhas que puxam a carroça da Ideologia. Nem mesmo, embora justificar isto exigisse uma análise mais demorada, o que por aí se vai dizendo com sorrisos cordiais, seriedade e MBAs, de crachá neoliberal na lapela. É antes a massa indistinta, gelatinosa e adocicada a que o seu discurso vai beber e simultaneamente alimentar. São as evidências para lá da ideologia, que permitem que o discurso neo-liberal se instale sem levantar muitas ondas – a ideia de meritocracia, por exemplo, e o mercado como coincidindo com o essencial na natureza humana. Mas mesmo estas ideias, largamente aceites, têm ecos de crueldade, pelo que vão sendo administradas com os paninhos quentes de justiça social. Pese embora a quase exclusiva autoridade do económico, a ponto de evacuar o político, julgo que o Social é o termo mais importante a analisar e desconstruir. Tanto mais porque neste terreno a divisão entre a esquerda e a direita (ou alguma esquerda e alguma direita) tem contorno mais turvos. 

Para voltar ao meu argumento inicial, os apelos que vamos ouvindo ao “senso comum” são óbvias armas de arremesso. E muitas vezes assumem-se até como tal. O “não há duas maneiras de ver a coisa”, “o que tem que ser tem muita força” e os “ponto final parágrafo” das respostas à crise estão mais assanhados ainda do que é costume. Mas está nos livros: isto funciona melhor de mansinho e com sorrisos de ça va de soi. Quando deixa de ser visto sequer como matéria de política. É ir espreitando pelo canto do olho. Ou talvez saltar para cima do palco, puxar as cortinas e partir a varinha em pedacinhos.

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