“Lutar contra o fascismo em nome da democracia não passa de lutar contra uma forma do capitalismo em nome de uma outra das suas formas, susceptível a todo o instante de se transformar na primeira”, George Orwell.
Não se pode chamar de amnésia. Não podemos esquecer aquilo que nem sequer pudemos saber. O tempo presente converteu-se num aspirador macro-histórico, capaz de desvanecer da memória colectiva (“memória colectiva” parece já um anacronismo) qualquer referência ao conflito social, ao antagonismo dos poderes, à visão libertária, à consciência de classe, para usarmos um termo tão anquilosado, como drasticamente necessário.
A pós-modernidade é também esse vácuo indolor, essa cínica crença de que tudo começa do ponto zero, de que tudo é eternamente novo. Como numa campanha publicitária... ou no telejornal… nada se repete, tudo se renova, como o papel higiénico. Com a pós-modernidade como cenário e a história oficial como verdade cultural, recuperou-se a Revolução Social Espanhola para a visão histórica e episódica da teoria democrático-burguesa. Essa teoria que consegue fazer esquecer por completo 7 milhões de operários e operárias em auto-gestão, ou convertê-l@s numa massa que lutou pelo advento da democracia e da consolidação da sociedade do bem-estar! O mito da falsa democracia falou mais alto, sublimando provavelmente o mais sólido processo revolucionário europeu, aquele que transformou radicalmente a lógica das relações de poder em todos os aspectos da vida, para mudar a sociedade e o quotidiano.
Não é por acaso que quando os operários começaram a radicalizar o seu movimento durante os anos de 1936/39 reivindicaram a sua total "autonomia", ou seja, a independência quer da burocracia estatal vertical, quer face a representações estrangeiras, como a independência face aos partidos ou a grupos de trabalho clandestino. Para eles tratava-se de agir em conjunto para resolverem os seus próprios problemas e assuntos, directamente e com as suas próprias regras, para tomar as suas próprias decisões e definir a sua estratégia e tácticas de luta, enfim, para se constituírem como movimento revolucionário.
A liquidação da memória histórica associada às lutas dos assalariados significou a eliminação de toda a perspectiva revolucionária. Se ela hoje nos faz falta? Se vale tanto como a mijona ou o mexilhão na maré vaza? Perguntem-se vós… Que acabou a História? Que o proletariado não existe? Que a luta de classes é do século XIX? Que somos ingénuos? Que 1984 era um filme de ficção? Que os “porcos” não triunfaram? Que não existem “PIGS”? Que ao lado, por cima e por baixo da Moody’s não existe um conjunto de seres forrados de lixo por dentro e de luxo por fora? Que vasculhar no lixo ao lado do Pingo Doce é desporto, parkour-esofágico? Que as filas na segurança social são uma fábrica de talentos falhados? Que com 500 euros no bolso, bem contadinho, dá prá jola, pró tremoço e ir a banhos ao Algarve (ou Alentejo, pois…) e o resto é paisagem, sonhos, utopias, lirismo, poesia, tretas tretas…
George Orwell, alguns anos depois do fim da guerra civil, escreveu: “A História parou em 1936”. Parou de facto, em amplos sectores da sociedade espanhola, a dominação social, económica, estatolátrica e patriarcal, essa dominação que a própria História prefere ensinar. Não embarquemos no faducho, não choremos nós sobre inércia derramada. Mas poderemos silenciar as tentativas emancipatórias do ser humano? Poderemos esquecer outra forma social e económica de entender as relações humanas? Poderemos ficar com a história que nos vendem a trouxe-mouxe? Poderemos ficar parados e viver o desastre? Contentes, por todos dispormos do direito a pensar e agir, mas termos perdido a faculdade de o fazer? Ou, pior ainda, incomensuravelmente mais desastroso, fazer parte dessa imensa ausência de esforço para compreender e agir?
Todavia, a história continua… pertinho.
ES.COL.A - espaço colectivo autogestionado do Alto da Fontinha
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