segunda-feira, 30 de abril de 2012
Explodirão como bombas
sexta-feira, 27 de abril de 2012
O Poder da Fontinha
terça-feira, 24 de abril de 2012
Política do cognitariado
segunda-feira, 23 de abril de 2012
Abril de novo
domingo, 22 de abril de 2012
sábado, 21 de abril de 2012
Todos contra o despejo da Es.Col.A
Hoje, sexta-feira: 18h no Lag. de Camões
Amanhã, sábado: 19h no Lg. de Camões
segunda-feira, 16 de abril de 2012
Se ainda escutas a alegria de viver ouvirás o sinal para ficar
Assinam,
AIT/SP - Núcleo do Porto e Chaves
sábado, 14 de abril de 2012
Resposta ao João Rodrigues
O João Rodrigues ficou chateado com o meu artigo. Mas eu acho que ele não tem razão. Que fazer? Comecemos pelo essencial e deixemos o acessório para o fim. O João Rodrigues acha que exagero na crítica ao seu patriotismo. A mim parece claro que a política defendida pelo João Rodrigues assume um pendor cada vez mais patriótico e cada vez menos internacionalista. Por que entendo as coisas assim? Porque vejo o João a propor uma desglobalização, quando eu sempre pensei que o problema era a globalização mercantil e não simplesmente a globalização. Desmercantilizar a globalização, claro que sim, mas desglobalizar é uma palavra de ordem muito diferente. E é uma palavra que se arrisca a por tudo no mesmo saco, o movimento de mercadorias e o de pessoas, o livre-cambismo e o cosmopolitismo, a globalização neoliberal e o internacionalismo de classe. Infelizmente o internacionalismo do João Rodrigues é cada vez mais uma forma de mediação entre sentimentos nacionais e não uma forma de ler e agir no mundo transversal a esses sentimentos. Ao internacionalismo do João poderíamos chamar um internacionalismo nacionalista. É pelo menos neste sentido que leio a sua proposta para que em vez de internacional passemos a escrever inter-nacional, isto dito entre vivas aos hinos nacionais e à soberania nacional, que me parecem querer continuar em França, via Mélenchon, o ido projecto alegrista que animou o João e os seus colegas de blogue. (Embora deva dizer que a candidatura de Mélenchon é evidentemente bem mais interessante do que a de Alegre, o que ainda assim deveria evitar histerismos personalistas que não têm cabimento em qualquer projecto de esquerda que se preze, ao contrário do que parece querer demonstrar o Nuno Teles).
Há uma outra questão importante no post do João Rodrigues que gostaria de comentar. O título do post é “Nem nada”, em referência ao título do meu artigo “Nem Crise Mundial, nem Solução Patriótica”. É um título, o do João, que é feliz enquanto sound-byte e os títulos também são isso, por certo que o são. Mas enquanto programa de argumento, é mau. É mau, em primeiro lugar, porque revela uma concepção enfraquecida do que possa ser criticar. O João Rodrigues parece exigir que eu, para criticar, tenha uma alternativa concreta a oferecer. Temo que o João esteja a aplicar a mim o tipo de argumento que os Camilos Lourenços tantas vezes aplicam ao próprio João Rodrigues e que no fundo reza assim: “falam mal do capitalismo mas não têm alternativa”. Ora, o que o João parece presumir, tal como o Camilo Lourenço e afins pressupõem em relação ao João, é que criticar é simplesmente dizer mal. Presumem que a crítica não é em si mesmo construtiva. Eu não vejo a crítica como uma simples denúncia e por isso não creio que ela seja menos construtiva do que as alternativas concretas que o João vai propondo. Depois, há aqui um segundo problema, tão grande, se não maior, do que o primeiro. É que o João Rodrigues só pode presumir que eu não procuro alternativas concretas porque ele entende que isso só se faz do modo como ele o faz. E que modo é esse? Intervindo num partido enquanto dirigente ou no espaço publicado enquanto intelectual. Eu também já fui um pouco assim e se calhar ainda sou. Mas já não acredito em alternativas concretas pré-fabricadas e creio que isso é coisa que devemos dispensar liminarmente, pelo menos no quadro de uma política democrática, defina-se como revolucionária ou como reformista. Prefiro mil vezes ouvir o João Rodrigues em detrimento do Camilo Lourenço, mas não reduzo a questão das alternativas concretas ao modo como o João entende o que possam ser lutas contra-hegemónicas.
Não vejo o meu próprio papel como o de alguém que por escrever num jornal ou ser especialista nisto ou naquilo tem mais responsabilidade em propor alternativas concretas do que os outros cidadãos. Esse papel “responsável” é o que o João Rodrigues vem assumindo, no quadro de uma sua leitura do que será um projecto contra-hegemónico. Que leitura é esta? O João dá grande importância ao confronto entre o que ele considera serem os intelectuais. A sua maneira de ver a ascensão do neoliberalismo é a esse respeito muito clara. Ele concede muita importância ao pensamento de alguns autores que há décadas terão começado a construir um programa ideológico que hoje é finalmente aplicável (a narrativa do João para a ascensão do neoliberalismo é mais complexa do que isto, claro, mas sublinha muito – em demasia, diria eu – este ponto). Eu acho que a história do neoliberalismo, não dispensando essa dimensão intelectual da história do pensamento económico e político, e devendo ser uma história das ideias, deverá sê-lo dirigindo a problemática das ideias não apenas (ou primeiro) aos intelectuais como Hayek e demais. Deverá ser também uma história social das ideias. E em consequência (ou como causa) acho que um projecto contra-hegemónico não passa tanto por criar os futuros Hayeks de esquerda mas por agir e pensar a acção política e o pensamento político aquém e além da “responsabilidade” de dirigentes e "pensadores" (e por isso não tenho simpatia nenhuma pela estratégia educação popular de Mélenchon, que o Nuno Teles tanto aprecia, mesmo se também eu votaria em Mélenchon caso pudesse votar nas eleições francesas).
Finalmente, a questão menor, que, porém, parece ser a única que verdadeiramente empertigou o João Rodrigues. Acha o João que eu deveria ter nomeado individualmente os economistas que dirigem a edição portuguesa do “Le monde diplomatique” e não simplesmente ter referido o grupo de economistas do “Le monde diplomatique”. Tudo bem. Se o João entende que isso é importante para tornar o debate mais interessante, passarei a fazer como ele manda. Seja como for, não creio que esta questão seja motivo para tanto azedume. Depois, bom, depois diz o João Rodrigues que engano os leitores ao afirmar que há uma linha dominante dessa publicação que é determinada por esses economistas quando na verdade existirá uma pluralidade de pontos de vista de esquerda expressos no jornal em questão. Sim, é claro que há outros economistas a escrever no jornal em questão (por regra o jornal tenta ter uma pessoa do PS, uma do PCP e outra do BE, parece-me), mas creio também (de facto, não fui contar) que o João Rodrigues e o Nuno Teles são os autores mais regulares do jornal e que em grande medida (foi a expressão que utilizei no artigo) marcam a linha política da publicação. Não há é qualquer problema nisto, pelo menos para quem não faz parte do jornal. Devo até dizer ao João Rodrigues e ao Nuno Teles que um dos motivos porque continuo a pensar comprar o jornal é justamente o facto de saber que aí encontro publicada, muito provavelmente, a opinião destes meus bons amigos economistas. Com os quais tantas vezes discordo mas que sempre tento acompanhar de perto.
quinta-feira, 12 de abril de 2012
Nem Crise Mundial Nem Solução Patriótica
(o meu artigo no i desta quinta-feira)
Há um pequeno grupo de quatro ou cinco economistas de esquerda cujo trabalho é importante acompanharmos por estes dias de crise. A melhor forma de o fazermos é seguindo a edição portuguesa do Le Monde Diplomatique, publicação que tem assumido uma linha política em grande medida determinada por aqueles economistas. Hoje em dia essa linha passa sobretudo pela defesa da seguinte ideia: uma saída pela esquerda da actual crise implica uma tomada de posição patriótica.
A hipótese desenvolve-se em cinco passos. 1) A globalização actual é uma máquina de produção de desigualdades nacionais à escala do mundo e de desigualdades sociais no interior de cada nação. 2) Deveremos por isso tomar distância em relação a essa máquina global, deixando o euro e adoptando uma moeda própria, com todas as possibilidades de política financeira e económica que daí resultam. 3) Estas possibilidades podem ser aproveitadas de modo a que, forçados pela privação resultante da desconexão parcial com o sistema mundial, desenvolvamos capacidades novas que julgávamos perdidas, para este efeito adoptando-se uma política industrial activa. 4) Ao mesmo tempo, acrescente-se, será possível irmos combatendo a desigualdade social no interior da nação, combate importante para elevarmos os níveis de confiança interpessoal da comunidade nacional e, também, para a própria regeneração da economia por via do consumo interno. 5) Finalmente, poderemos, atingido um certo nível de crescimento económico, regressar ao sistema mundial, talvez até tornando-o um pouco mais justo.
Esta é, creio, uma proposta interessante, desde logo porque tenta romper com a tendência em que boa parte da esquerda tem vindo a ser, nas actuais circunstâncias, aceleradamente atolada: a contínua defesa de direitos continuamente perdidos de luta em luta até à perdição final.
Mas é também, ainda assim, uma proposta que deve ser recusada sem qualquer hesitação.
Se me é permitido atalhar caminho, e correndo o risco de estabelecer uma comparação injusta para os nossos economistas de esquerda, diria que devemos recusar a proposta por motivos não muito diversos dos que nos levam a resistir ao argumento do governo de Passos Coelho segundo o qual as actuais políticas de austeridade são apenas medidas sacrificiais que, no futuro, e uma vez saldada a dívida, permitirão ao país recuperar a sua soberania e reactivar a democracia entretanto suspensa por ordens externas.
Em ambos os casos há uma desistência em relação à actualidade política europeia.
Passos Coelho desiste porque despolitiza a Europa obedecendo-lhe caninamente: para Passos Coelho, da Europa surgem apenas ordens que ele terá que cumprir, não se lhe ocorrendo participar politicamente no espaço europeu, por exemplo discordando do que diz ser-lhe imposto, por exemplo.
Já a proposta dos nossos economistas de esquerda acaba também por fazer acreditar que o espaço europeu não é mais susceptível de intervenção política, refugiando-se eles, por isso, no espaço nacional. Não se refugiam, note-se, por terem desistido da política em favor da economia, como Passos Coelho, mas porque querem – e bem – retomar a política como factor que determina a economia. O problema está em que desprezam a possibilidade de uma política económica europeia combater o desemprego, a desigualdade e a pobreza. Dirão os nossos amigos economistas que tal política europeia é uma utopia, mas não há nenhum motivo – pelo menos para quem não tenha uma crença nacionalista que o anime – para julgar que o tamanho dessa utopia seja menor porque a imaginamos apenas aplicável a Portugal. Se o ministro das Finanças de Portugal tem tantos laços de afinidade com o ministro das Finanças alemão, não há nenhum motivo para que os trabalhadores portugueses e as suas organizações não se irmanem com os seus congéneres da Alemanha.
«Fazer acontecer a revolução»: cinco notas sobre "Linha Vermelha"
1- Será possível pensar a ocupação da Torre Bela para lá do filme com o mesmo título? De tão familiares, as imagens captadas pela câmara de Russel Parker acabaram por se sobrepor à realidade mesma que se propunham dar a conhecer. Houve uma herdade ocupada e pessoas que a ocuparam, que ali viveram e enfrentaram os problemas de todos os dias, que se organizaram e discutiram e aprovaram o que fazer daquelas terras, daqueles edifícios e de si próprias. Há livros, textos e notícias de jornal que dão conta do alcance e profundidade do que ali se passou. Mas tudo o que nos vem à cabeça, quando nos ocorre pensar naquela ocupação, são as imagens filmadas nos seus primeiros quatro meses e acabadas de montar quando tudo era já quase uma recordação.
Notas
[1] www.fcsh.unl.pt/revistas/arquivos-da-memoria/ArtPDF/JoseFCostaAM5.pdf, p.178.[2] Ibid., p.190.
Este texto foi originalmente publicado na edição portuguesa de Le Monde diplomatique
Shit is going down - a barricada como sabotagem da cidade
terça-feira, 10 de abril de 2012
Adenda a uma Carta Aberta
Ele mostrava-se igualmente indiferente no que toca às pilhagens: “O que é que eu sinto em relação a isso? Sinceramente, nada. Faz parte de um motim. Não sinto nada.”1
Um.
Algo que devia ter sido mais sublinhado e que quase passou despercebido é que, apesar de toda mistura de choque e espanto face ao caos espontâneo, quer alegado quer real, muito mais impressionante é tudo o que não pode ser arrumado nessa categoria. Tudo o que, pelo contrário, só pode ser entendido como tendo emergido de formas de organização concretas e zelosas. Não, não se assemelha a um partido, a uma coligação ou a uma associação. Não, não é um fruto do Facebook ou do BB Messenger, embora estes tenham certamente ajudado, tal como não estamos aqui perante um qualquer outro novo “sujeito em rede”, excepto no que toca à velocidade de transmissão. E não, Cameron e companhia, por mais conveniente que seja importar para Londres práticas ao bom velho estilo da Polícia de Los Angeles, isto não se assemelha a um gang, embora contasse com a presença de gangs.
segunda-feira, 9 de abril de 2012
De olhos bem abertos
Não há justificação possível
domingo, 8 de abril de 2012
Isto é violência indiscriminada
Não é assim que se protesta
Carta aberta aos que condenam as pilhagens V
É claro que não têm o direito de fazer isto. É por essa mesma razão que isto não é um protesto.
(Dizer, como alguns de vocês dizem, que estes incidentes infelizes mostram que todos nós devemos ouvir com mais atenção é admitir - aaah! - que a desordem violenta chama de facto a atenção. Mas seguramente que é não isso que vocês estão a dizer, ou a pensar...)
Contudo, e infelizmente para vocês, um motim não é uma forma de linguagem. Não é, em particular, uma forma muito persuasiva. Não está a tentar provar um argumento ou conquistar a vossa aprovação. Sai da frustração de bocas que, tendo em conta o quanto são ouvidos, poderiam bem ter arrancado a língua. Mas não é um discurso. Está perfeitamente farto de saber aonde é que isso leva.
sábado, 7 de abril de 2012
"Eles não trabalham. São criminosos"
Carta aberta aos que condenam as pilhagens IV
Sim. Não trabalhar sob o capital é criminoso. É-o estruturalmente: uma falha, uma transgressão, aquilo que pede castigo – fome, prisão, coerção. Agora que deixámos para trás a era das guerras generalizadas, da habitação própria e da produção interclassista de crianças, o emprego a tempo inteiro é a garantia do estatuto de adulto, da cidadania, de se ser um sujeito de pleno direito. A ausência de trabalho – ou melhor, de trabalho reconhecido enquanto tal – equivale a uma criminalização generalizada das populações, mesmo antes de qualquer transgressão legal ocorrer de facto.
quinta-feira, 5 de abril de 2012
Carta aberta aos que condenam as pilhagens III
(Parte I, Parte II)
Não me digam que estavam à espera que as pessoas se revoltassem imaterialmente? Estavam à espera que apenas pilhassem coisas que conseguem comprar?
Mas, tal como antes, concordamos com a letra da vossa condenação: as pessoas estão a tomar esta situação material como uma oportunidade para roubar coisas que não poderiam - ou que poderiam, mas com grande sacrifício – comprar. Isto é inteiramente verdade.
Carta aberta aos que condenam as pilhagens II
quarta-feira, 4 de abril de 2012
Carta aberta aos que condenam as pilhagens
Como esta foi originalmente publicada numa série de posts no Socialism and/or Barbarism, vamos também aqui dividi-la em partes."quando os pobres ficam mais pobres, as suas necessidades – e desejos, essa coisa que as classes médias e altas tanto gostam de menosprezar, como se querer algo que não temos dinheiro para comprar significasse que somos tontinhos – não têm a gentileza e boa educação de desaparecer. Tornam-se, pelo contrário, mais desesperadas, as zonas da cidade divididas de forma mais vincada e a polícia mais bruta."
Evan Calder Williams
O que se segue pode por isso constituir uma das metades de um diálogo, da mesma forma que berrar em frente a uma jukebox feita de gelo o seria. É concebível que o próprio esforço de falar – uma certa quantidade de ar quente – amoleça um pouco a superfície, mas não deixa por esse facto de ser uma discussão unilateral. E não implica, igualmente, que vocês possam ou cheguem de facto a interromper a repetição dos discos que vos foram dados para tocar, essas vossas frases e evasões em circuito fechado e contínuo.
A Recusa da Cidade
segunda-feira, 2 de abril de 2012
domingo, 1 de abril de 2012
Especialistas em Portugueses
(o meu artigo no i na última quinta-feira)
Há um tipo de pessoa que tem vindo a ganhar protagonismo no espaço mediático. É o especialista em portugueses. O especialista em portugueses tanto pode ser especialista em portugueses na variante corpo como na variante alma. O primeiro é generoso na hora de avolumar estatística e mais estatística sobre o chamado comportamento dos portugueses, lançando-se na grande aventura dos dados, dos números e das contas que lhe permitirão produzir largas séries que registam, por exemplo, a poupança e o consumo dos portugueses. O segundo, o especialista em portugueses na variante alma, dedica-se a trabalho mais minucioso, tricotando conceitos, ideias e teses, quando não parábolas, que lhe permitirão aceder de modo singular e único – assim julga… – ao famigerado enigma português.
Um e outro especialista têm um problema fundamental com a democracia. O especialista em portugueses na variante corpo tende a classificar qualquer alternativa ao que quer que seja como cientificamente inviável, independentemente do que sobre isso tem a dizer a vontade da maioria. Para ele não se trata de querer ou não consultar o povo, mas da irrelevância de tal exercício perante o que considera ser a força da realidade. Por isso ele diz-nos que não é contra a democracia mas que simplesmente não pode ser a seu favor. É a moral da breve história do actual governo: foi eleito com base num programa que já não é compatível com a realidade tal como esta passou a ser por ele entendida a partir do momento que tomou posse.
Já para o especialista em portugueses na variante alma, o problema da democracia é outro. Para este especialista o problema é que os portugueses não são susceptíveis de gerar vontades alternativas e ter uma voz crítica. (Com a excepção do próprio especialista, presume-se, pois de outro modo não seria ele mesmo susceptível de denunciar tão atávica situação…). É em muitos elogios e em algumas das críticas a Salazar que esta ideia de que a cultura política dos portugueses é incompatível com a democracia frequentemente se afirma. Entre os elogios, temos quem entenda não haver porque criticar um ditador que mais não terá sido do que a expressão das circunstâncias de um país e de um povo. E entre os críticos do salazarismo há quem, desolado com o que considera ser a actual passividade política do que apoda de povo, não hesite em concluir que tivemos o Salazar que merecíamos.
Assim, sendo, o triste cenário mediático que temos obriga-nos a escolher uma de duas: ou nos embrutecermos com os especialistas na variante corpo olhando para os gráficos que Medina Carreira vai esgrimindo com uma ética da rabugice que nenhum dono de mercearia saberia copiar; ou nos mitificamos a dar ouvidos aos diagnósticos mastigados de José Gil sobre a existência e a portugalidade.
Haverá alternativa a este dilema?
Creio que sim, que existem pelo menos duas alternativas.
A primeira alternativa é ainda mais medonha do que qualquer uma das opções antes colocada. Trata-se da emergência e triunfo de especialistas que versam tanto sobre o corpo como sobre a alma dos portugueses. Juntam-se assim dois males numa só pessoa. Desde que a crise começou, o caso mais revelador deste perigo talvez seja o sucesso mediático de uma figura como António Barreto. Por um lado temos o espectáculo da exibição por Barreto das tabelas, quadros e gráficos do seu Pordata, numa campanha mediática cuja adulação jornalística só fica a dever à bajulação de que em tempos foi alvo o acervo de imagens exposto por Berardo no CCB. Por outro lado temos o tipo de discursos do 10 de Junho a que Barreto se habituou e que parece não querer largar em todo e qualquer dia do ano, oferecendo-nos a enésima sondagem à alma e aos contornos da identidade nacional, sempre redundada por apelos ao brio patriótico dos portugueses.
A segunda alternativa é bem mais interessante. Passa por matar de vez os especialistas em portugueses, de recusar o palco aos especialistas de qualquer espécie, sejam de esquerda ou de direita, versados na variante corpo ou na variante alma, oriundos do mundo académico ou do campo empresarial. Medina Carreira, José Gil e António Barreto poderão continuar a subir ao palco, certamente que sim, mas devidamente desautorizados, destituídos das poses de peritos, pensadores e senadores que garbosamente procuram impingir-nos.