Vivemos tempos interessantes e uma pequena faísca basta para incendiar
multidões. Quis o destino e uma profunda ausência de escrúpulos que, em
pleno dia do trabalhador, o Departamento de Promoções do Pingo Doce se
lembrasse de homenagear à sua maneira os operários mortos em Chicago, em
1886. O resto é o que se sabe: prateleiras esvaziadas num ápice,
desacatos, confrontos, lojas fechadas, ruas cortadas e a intervenção da
polícia. Passos Coelho, que prometeu mão pesada sobre quem promovesse
tumultos através das redes sociais, sabe agora com o que está a lidar –
subversivos promotores e publicitários radicais, que atiçam as massas e
perturbam a ordem pública.
Não faltaram comentadores dispostos a garantir que se tratou de uma
vitória simbólica do consumismo sobre a identidade de classe. Falta
contudo algum fôlego a semelhante semiótica. Contra as sedutoras imagens
veiculadas nos anúncios das grandes superfícies, onde a aquisição de
mercadorias suscita sorrisos de despreocupado deleite e um brilhozinho
nos olhos, vimos agora o pânico na cara de gerentes de loja, a raiva de
quem perdeu um dia da sua vida para encher um carrinho de compras e a
eminência de um total descontrolo da situação. Não terão sido poucos os
clientes que imaginaram a possibilidade de desenvolver no futuro o
espírito da promoção e obter um desconto de 100%.
Algo que não tirará o sono a Alexandre Soares dos Santos, reputado e
abastado patriota, que conta com a autoridade do Estado para
desencorajar tão criativa interpretação do seu marketing. É precisamente
para isso que a Jerónimo Martins paga os seus impostos. Na Holanda.
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