domingo, 30 de outubro de 2011

o puto das barbas

A aristocracia financeira amaldiçoava, portanto, a luta parlamentar conduzida pelo partido da ordem contra o poder executivo como uma perturbação da ordem e celebrava cada vitória do Presidente, face aos pretensos representantes, como uma vitória da ordem. Por aristocracia financeira não se deve entender aqui unicamente os grandes promotores de empréstimos e os especuladores de títulos públicos, cujos interesses coincidem com o poder, como é óbvio e facilmente se entende. Todo o mundo financeiro moderno, todo o sector dos bancos está estreitamente interessado na manutenção do crédito público. Uma parte do seu capital comercial é necessariamente colocado em títulos públicos rapidamente convertíveis. Os depósitos, o capital posto à sua disposição e que eles repartem entre comerciantes e industriais, provém em parte dos dividendos recebidos pelos possuidores de títulos públicos.

Karl Marx em O 18 de Brumário de Luís Bonaparte. Publicado em 1852.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Violências

A minha crónica no i desta quinta-feira



Há já algum tempo, um crítico das políticas de combate à toxicodependência então dominantes dizia que o erro dessas políticas era perfilharem a teoria da escalada. Em que consistia essa teoria? Sabendo que um heroinómano havia começado por consumir drogas mais leves, como o haxixe, e que antes do haxixe havia experimentado tabaco, e que o fizera não sem antes abusar dos refrigerantes, a teoria reivindicava a proibição do consumo de refrigerantes.
O modo como alguns cronistas reagem à associação entre violência e política recorda-me sempre a teoria da escalada. Se alguém atira uma pedra contra uma montra, ainda o vidro não estilhaçou e já um batalhão de cronistas se levanta para nos alertar para o risco de um dia esse alguém se sentar numa cadeira do poder e ordenar a incineração de milhões e milhões de seres humanos.
Este pânico que a violência política hoje suscita é compreensível. Uma das razões do pânico é a nossa memória do século xx, profundamente marcada pelas cenas de violência política que dele fizeram parte. No entanto, o pânico que a violência política suscita não é fruto apenas da memória de um século, mas também de esquecimentos.
Os que em nome dos horrores do século xx condenam a violência política esquecem desde logo que aquela que é por muitos considerada uma das grandes conquistas do século xx, a democracia parlamentar, tem uma história de violência por trás. A violência não trouxe apenas coisas más. Os tanques que saíram à rua no dia 25 de Abril de 1974 não eram tractores prontos a cultivar as hortas urbanas com que o engenheiro Gonçalo Ribeiro Telles já nessa altura sonhava, mas armas prontas a derrubar a ditadura. A história das democracias ocidentais de igual modo seria incompreensível sem olharmos para a violenta guerra – incluindo abomináveis ataques como os de Hiroxima – que os Aliados conseguiram fazer contra a Alemanha de Hitler.
Nos debates que se avizinham, melhor seria reconhecermos, na verdade, que ninguém é contra a violência política propriamente dita. A maior parte dos cronistas que hoje encontramos a condenar a violência é na realidade favorável a um monopólio estatal da violência. Deste monopólio, aliás, os cronistas apresentam-nos não raras vezes uma história cor-de-rosa, segundo a qual sem a centralização da violência teríamos a guerra civil permanente em que todos nos comeríamos a todos. Trata-se aqui de uma história da violência estatal como factor de pacificação que esquece que as democracias em que vivemos usaram da violência não só para derrubar ditaduras nos seus países mas também para impor a ditadura sobre outros países – das democracias colonialistas europeias ao belicismo de uma democracia como a norte-americana. Trata-se, enfim, de uma história cor-de-rosa que esquece que o monopólio da violência permite às forças policiais do Estado agir uma e outra vez à margem da lei – apenas uma história cor-de-rosa da violência estatal nos permite esquecer diariamente o facto de a tortura no interior das prisões sobreviver ao fim dos presos políticos.
Em suma, a questão essencial não é saber quem é a favor ou contra a violência política, mas de que tipo, de que formas, de que modos de violência estamos a falar.
Vêm estas notas a propósito de um certo alvoroço que recentemente se intensificou a propósito da manifestação de 15 de Outubro, na qual muitos manifestantes ocuparam a escadaria da Assembleia da República, sem mortes e feridos a registar, com a excepção, talvez, de um meu amigo que, aproveitando este fim de Outono quente, resolveu insistir no chinelo e acabou ficar com unha encravada porque eu o pisei.
Mas estas notas poderiam igualmente aparecer aqui em resposta ao modo como muitos media tratam o problema da violência. Se há semanas atrás um jornalista se condoía com o sofrimento e a dor dos vidros partidos de uma montra de Londres, ontem um seu colega comprazia-se excitado com o assassinato bárbaro de um homem odioso como Kadhafi. Falemos então de violências e não de violência.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

estado de excepção?

Duas dúzias de manifestantes foram detidos por invasão de propriedade numa filial do Citibank, perto do Washington Square Park, em Nova Iorque, depois de entrarem no banco para levantar dinheiro e fechar as suas contas.

Continuar a ler aqui.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

A mais simples das explicações

Tem toda a razão Pacheco Pereira quando, sem prestar qualquer tributo à demagogia, oferece das "assembleias populares" um retrato desapaixonado e frontal. É evidente que os partidos políticos, legítimos actores de uma sociedade verdadeiramente democrática, seguem padrões muitíssimo mais elevados. Como por exemplo, este pedaço de enorme elevação política:


Aliás, o PSD tem-nos habituado ao melhor que existe em termos de debate democrático, pelo que se torna no mínimo arriscado decretar as "assembleias populares dos indignados uma das maiores fantochadas políticas que por aí andam". Ele há tanta fantochada por onde escolher:



E falando em completa ausência de qualquer tipo de ideia política, eis uma assembleia bué de mais democrática e representativa, onde impera sempre a preocupação em construir um mundo melhor, "sem suscitar o ridículo geral", eis a intervenção do Presidente da Distrital de Lisboa da JSD no congresso nacional:


Na idade do Youtube, certas afirmações arriscam-se a brilhar pelo ridículo. As assembleias populares terão as suas fragilidades, mas ainda não chegaram ao ponto de receber lições de democracia dos passarões exóticos que se passeiam entre os Passos Perdidos e um qualquer estúdio televisivo, a garantir-nos que as instituições funcionam e que Passos Coelho tem legitimidade para nos levar a mão ao bolso em nome do interesse nacional. "As figuras que  eles fazem no parlamento" tornou-se um sinónimo de ridículo e irrelevância. Basta andar de transportes públicos para o perceber.  
E para terminar, um pouco da elevação democrática que caracteriza a casa da democracia. Uma espécie de best off da democracia real em que vivemos. Contado ninguém acreditava.



sexta-feira, 21 de outubro de 2011

os salários da Bulhosa

A péssima gestão que é feita pela administração das livrarias Bulhosa leva a que os seus funcionários tenham constantemente os ordenados em atraso.
Esta situação dura há mais de dois anos e tem-se vindo a agravar de mês para mês.
De acordo com o contrato colectivo de trabalho da APEL os ordenados devem ser pagos até ao último dia útil do mês trabalhado. Mas neste momento, passados 20 dias, os ordenados ainda não caíram.
Enquanto isso os escritórios foram transferidos para o Lx Factory, para um espaço totalmente remodelado, foi construído um auditório na livraria de Entrecampos e a administração desloca-se em Audis todas as semanas entre o Porto e Lisboa.


ACTUALIZAÇÃO: assim que a administração soube da existência desta página iniciou uma onda de chantagem. Foram feitos contactos com os livreiros que linkaram esta página no seu perfil pessoal para que os mesmos a retirassem.

Para "gostar" no facebook: http://www.facebook.com/OrdenadosEmAtraso.Bulhosa

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Screw us and we multiply

Hoje à noite (10h) modero um debate no Bartô, organizado pela Zona Franca, com a presença de Alexandre Abreu http://ladroesdebicicletas.blogspot.com/; Luhuna de Carvalho http://www.spectrum.weblog.com.pt/; Renato Teixeira http://5dias.net/ e Tomás Vasques http://hojehaconquilhas.blogs.sapo.pt/ 

Os motins de Londres deste ano são o mote para uma discussão que certamente nos levará a puxar pelos fios ainda soltos do ciclo de revoltas,  insurreições e ocupações que atravessamos, e a pensar o fazer, desfazer e refazer das linhas de antagonismos e solidariedades que o caraterizam. Espera-se um cocktail de análise amotinadamente crítica e ânimos criticamente exaltados. Apareçam.

Acções que nos inspiram, palavras que nos movem: «isto tem que arrebitar (...) ou então arrebentar isto tudo»

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Resposta a José Castro Caldas




Em A Outra Globalização, post sobre a manifestação de 15 de Outubro, José Castro Caldas afirma existir quem queira "confundir protesto com motim para produzir imagens chocantes para os telejornais", um sentimento alegadamente partilhado por "serviços de provocação mesmo que sejam pobrezinhos". Por considerar que vale a pena dialogar com José Castro Caldas e por discordar da sua opinião, seguem as seguintes adendas:

1. A subida da escadaria da assembleia da república decorreu sem quaisquer troca de agressões entre agentes da PSP e manifestantes.

2. A acção em questão esteve longe de ser realizada por um grupo ou sequer por um conjunto de grupos organizados. Foi, sim, protagonizada por uma pequena multidão de pessoas, de um rapaz com uma bandeira da ATTAC a um pequeno grupo de militantes do PCTP-MRPP (uma pequena navegação pelo youtube poderá comprovar estes factos). A maioria, no entanto, será de difícil enquadramento político, um traço que, na minha opinião, assinala o sucesso da manifestação.

3. Foi a subida das escadarias que garantiu as mínimas condições (logísticas e espaciais) de uma participação alargada na assembleia popular.

4. A ocupação das escadarias não pareceu obter uma opinião consensual entre os membros da organização. Uns concordaram, outros discordaram. A democracia é mesmo assim.

5. As únicas detenções ocorreram já depois do término da assembleia popular. As imagens recolhidas pelos vários meios de comunicação social parecem indiciar um excesso de zelo por parte das forças de intervenção de PSP. A resistência oferecida pelos (poucos) manifestantes fez uso do mero peso dos seus corpos, sem, em nenhum momento, ter levantado a mão ou demonstrado qualquer agressividade.

Como tal, e concluindo, confesso não ter assistido a qualquer fenómeno que comprove a existência de «serviços de provocação». Tampouco pude identificar alguma vontade, por mais insignificante que fosse, em transformar a manifestação num motim. O que vi foi bem diferente disto. Vi milhares de pessoas zangadas, mas não desesperadas, que resolveram fazer das ruas o seu espaço. Vi milhares de pancartas e cartolinas e não apenas duas ou três faixas com umas centenas de pessoas a corresponderem-lhes. Vi e vivi um acontecimento que deu um pequeno pontapé na realidade, abrindo assim o espaço para que outros pontapés possam ser dados.

sábado, 15 de outubro de 2011

O rei vai nu

Um dos panfletos distribuídos na manifestação de hoje:

Para nós, a história não está escrita. Queremos ver para lá do que nos é apresentado como o caminho inevitável, seja na versão mais pesada da austeridade e do punho forte do estado, seja na versão mais light dos orçamentos participativos e das petições legislativas. Numa hipótese ou noutra, a possibilidade das pessoas decidirem sobre os assuntos que lhes dizem respeito será uma miragem.

Recusamo-nos a encarar a actual crise com um ar perplexo. Se a imposição do pagamento de uma dívida ilegítima e a chantagem exercida por grandes grupos financeiros veio mostrar a nudez do rei, a verdade é que este há muito que se apresentava sem roupas. Para quem todos os dias trabalha sem papéis, sendo ainda sujeito a rusgas do SEF, a crise sempre existiu. Para quem ao longo dos últimos dez anos viu o seu rendimento lhe ser retirado, pela via da deslocalização e/ou da falência fraudulenta, a crise não é novidade. Para quem ao fim do mês é confrontado com as ameaças do banco ou da segurança social a crise faz parte da vida.

Inverter este cenário implica passar a precariedade para o adversário, transferindo-lhe todo o medo e insegurança associados. Fazer com que cada dia seja carregado por uma profunda incerteza. Levar a que se sinta constantemente observado. Obrigá-lo a cumprir horas extraordinárias. Aumentar-lhe a dose de anti-depressivos. Impor-lhe prejuízos. Para que, no fim, não tenha outra opção senão recuar.

Porque os direitos nunca foram concedidos, mas sempre arrancados à força.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Ou vem com botas cardadas, ou com pezinhos de lã...

Não é de agora que a ditadura do capitalismo financeiro se instalou no país. As novas medidas de austeridade vêm apenas confirmar o processo de radicalização social em curso, consumando uma das mais brutais transferências dos rendimentos do trabalho para o capital. Cortam-se os 13º e 14º meses de funcionários públicos e pensionistas; aumenta-se o horário de trabalho; aumenta-se o IVA; privatizam-se os transportes, a saúde, a água, etc. Simultaneamente à expropriação financeira dos trabalhadores e à corrosão da provisão pública assiste-se a uma reconfiguração do papel do Estado, que foi literalmente abocanhado por aqueles que estão a fazer desta crise a sua oportunidade de negócio. Os poucos que se sentem com direito a tudo, e defendem a todo o custo os seus lucros, mesmo que isso arruíne a vida a milhões, encarregaram-se de fazer do Estado o comité para a gestão dos seus assuntos particulares. Os agiotas, cujo programa político é simplesmente «ir mais além que a troika», passaram a fazer das medidas de brutalidade a norma. A excepção institui-se como a regra e a violência governamental confunde-se com a ordem jurídica, roubando nos salários e nas pensões,  alegando «autoridade legal» para o fazer. O fascismo é uma minhoca, não é? lá isso é....

A política além dos políticos

publicado no jornal i, esta quinta-feira



Há pouco menos de dez anos, após a manifestação global contra a Guerra do Iraque, o “New York Times” afirmava, no rescaldo desse dia de protesto mundial, que uma nova superpotência global acabara de nascer. A manifestação de 15 de Fevereiro de 2003, que se estendera da Austrália à Escandinávia, demonstrara que a globalização não era apenas o nome de um processo mercantil. Não sei se nos demos bem conta do facto, mas recuperámos por esses dias a hipótese de construir a partir de baixo um futuro movimento político global, sem a pompa e circunstância das cimeiras que reúnem organismos internacionais e governos nacionais e com a força e a criatividade de uma multidão que não olhe à nacionalidade com que os estados a classificam.
Se o internacionalismo foi uma das principais virtudes do ciclo de lutas que se afirmou entre finais dos anos 90 e aquele início de 2003 – um ciclo a que não foi igualmente estranho o levantamento zapatista de 1994 e que não deixou de se repercutir nos sucessos eleitorais da esquerda na América do Sul –, porém não foi a única virtude. Uma outra grande virtude foi a capacidade mostrada pelos movimentos de reporem a incerteza da história depois do anúncio do homem liberal como representando o último dos homens. Reagindo a um final de século indelevelmente marcado pelo elogio desenfreado das virtudes individualistas do liberalismo, e pela multiplicação de acusações de totalitarismo dirigidas a toda e qualquer política de transformação social, os novos movimentos que então emergiram romperam com o legado político do estatismo soviético sem que se encantassem com novos liberalismos. Sob o signo de fórmulas como “movimento dos movimentos”, exprimiu-se a possibilidade de emergência de um novo sujeito histórico colectivo, um corpo político que, sem necessidade de se subordinar a uma só palavra de ordem, instituía um tempo comum de acção contestatária.
Agora, em 2011, alguns meses passados sobre o início de uma onda de revoltas e protestos de natureza muito variada, que tem atravessado continentes, países e cidades – chegou a vez de Wall Street –, é de perguntar se não estamos perante um novo ciclo de lutas. Contra o protagonismo das elites políticas e económicas no quadro da resposta à crise financeira mundial, parece retomado o mais elementar princípio democrático: a política não é um monopólio dos políticos.
De Tunis a Wall Street passando por Madrid, muitos são os que nestes últimos meses não ficaram à espera que uma alternativa lhes fosse servida numa bandeja pelo partido X ou pelo líder Y. Estes muitos que por estes dias se inquietam não serão indiferentes ao rumo do mundo nos próximos anos. Às guerras de alecrim e manjerona, opondo quem defende que nos cortem a perna à altura do joelho e quem assegura que a justa medida da austeridade antes impõe que sejamos decepados dois centímetros mais abaixo, uma terceira margem acrescenta-se.
Em Portugal, os movimentos desta terceira margem, da geração à rasca de 12 de Março aos acampados do Rossio, passando pelos anarquistas que se manifestaram na Avenida da Liberdade contra a NATO, têm sido classificados como elementos perigosos, prontos a desferir um ataque ao coração da classe política, o que tem suscitado respostas contundentes da parte desta última, dizendo que os ataques de que tem sido alvo representam sobretudo uma ameaça à política propriamente dita. É um argumento que não colhe. Se é verdade que a crítica à classe política foi não raras vezes um cavalo de Tróia no interior do qual fez caminho a crítica à política, hoje é a classe política que, antes de tudo e todos, assegura já nada haver de político, cabendo apenas a um governo fazer cumprir um programa técnico supostamente livre de qualquer carga ideológica. Ou seja, a classe política matou a política. E pode bem dar-se o caso, neste contexto, de a crítica à classe política ser aquilo que de mais político se tem feito ouvir na sociedade actual. Na realidade, que gesto pode ser mais político que o de quebrar a divisão da espécie humana entre quem pertence e quem não pertence à classe política?

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Quarta, 21h no RDA69: Discussão sobre Occupy Wall Street e sobre o 15 de Outubro

E de repente, enquanto ninguém esperava, do coração da besta e do grande satã surge uma enorme acampada, talvez ainda maior do que em Barcelona e em Madrid, aparentemente com um discurso mais radical e tudo. Tudo muito estranho, não era suposto ser um pais dividido ao meio pelos cowboys e pelos hipsters? entre o cinismo do Seinfeld e o consumismo do Sexo e a Cidade? Longe dessa espontaneidade e vida comum dos povos mediterrâneos? (nos quais, sem se saber muito bem porquê, se costuma incluir Portugal).

Continuar a ler no Spectrum.

Debate 'A teoria está na moda?' | 13 Out. | Bartô | 22h




















A teoria está na moda?

Bartô (bar do Chapitô) # quinta-feira, 13 de Outubro # 22h # entrada livre

(ver localização aqui)


organização: UNIPOP, revista imprópria e Zona Franca


com a participação de:

Ana Drago

Bruno Peixe Dias

Nuno Nabais

Com a queda do Muro de Berlim e a crescente hegemonia neoliberal, muitos julgaram que a figura do intelectual comprometido com a transformação radical do mundo era coisa do passado. O «fim da história» de Francis Fukuyama e o «choque de civilizações» de Samuel Huntington serviam não só como diagnóstico de uma época mas também como marcos visíveis de uma esfera pública que tomava como horizonte inultrapassável das sociedades humanas a economia de mercado e a democracia parlamentar.

Na última década, contudo, começaram a ganhar visibilidade uma série de teóricos, dificilmente enquadráveis numa tendência doutrinal única, mas que partilham, no entanto, a recusa do capitalismo como fim da história e uma exigência igualitária que não se satisfaz com os arranjos institucionais de hoje. Nomes como Antonio Negri, Zygmunt Bauman, Slavoj Žižek, Jacques Rancière, Alain Badiou, Judith Butler, Giorgio Agamben, Daniel Bensaïd, John Holloway ou Boaventura Sousa Santos, entre outros, começaram a ser lidos e debatidos para lá dos círculos académicos e de activismo radical, aos quais até então as suas ideias estiveram em parte circunscritas.

Longe de se tratar apenas de uma questão de presença mediática e de edição livreira, as teorias destes autores têm sido objecto de diversas apropriações políticas, em contexto de lutas concretas, nomeadamente em tomadas de posição e manifestos produzidos nos tempos mais recentes, em Madrid, Londres ou Atenas, mas também no quadro de processos reformistas e revolucionários como os que têm caracterizado a história recente de países como o Brasil ou a Bolívia. Estaremos perante a emergência de uma nova figura de intelectual? Tratar-se-á apenas de uma moda, ligada às exigências de um mercado editorial cada vez mais dependente da novidade? Que articulações é que se desenham entre estes teóricos, as suas ideias, e os novos movimentos sociais e políticos? Ao interrogar esta nova visibilidade do intelectual radical de esquerda, este debate procura abordar estas e outras questões.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Para uma história social do futebol



Em jogo da Taça Rio de 2009, o Vasco vencia o Bangu por 2 a 0. Alan já tinha dado o passe para o gol de Pimpão e sofrido um pênalti, convertido pelo goleiro Tiago. Até que Kardec recebeu um cruzamento e perdeu uma chance de ampliar. Um torcedor na social do estádio começou a proferir palavrões em alto volume contra Alan, até que um senhor se levantou e decidiu confrontar o vascaíno irado. Era o pai de Kardec, que assistia à partida ao lado da mãe do jogador.
A discussão ficava cada vez mais acalorada. Os dois chegaram a propor uma solução mais radical, fora do estádio, no braço. Até que a polícia apaziguou os ânimos afastando o detrator de Alan para os primeiros degraus da social. Até que o Alan, sem precisar subir para acalmar o pai, acabou com a discussão marcando um gol. No mesmo instante, o antes crítico do atacante virou ‘fã’ e propôs um abraço ao pai do jogador – que aceitou na hora. A dupla de brigões ainda ouviu o coro da torcida pedindo - e sendo atendida - um beijo, na careca, entre eles.

domingo, 9 de outubro de 2011

O cemitério está cheio de pessoas insubstituíveis




Steve Jobs morreu. O mundo vai ficar igualzinho ao que era e a Apple só se for bastante estúpida é que vai à falência. Isto porque o fenómeno Apple acaba por ter pouco a ver com Steve Jobs. Em primeiro lugar, porque toda a inovação supostamente protagonizada pela Apple não é assim tão inovadora quanto isso. Deste ponto de vista, defender que a empresa conseguiu colocar a música nos nossos bolsos, um dos argumentos evocados, só poderá ser reflexo de má memória. Como se antes do ipod não tivesse existido o leitor do Mp3 e, muito antes deste, o discman e o walkman.

Tampouco se poderá encarar o high-tunes como uma obra revolucionária. A ideia de vender músicas e não álbuns completos não constitui mais do que o fruto de algum poder de observação sobre o que estava a acontecer na internet (por via dos downloads ilegais) ou do que dantes se podia fazer nos gravadores de K7s.

Tal poder de observação não poderá, no entanto, ser atribuído a Steve Jobs. Nas quatro páginas dedicadas à figura mítica do fundador da Apple, o Público referia um facto bastante curioso. O novo log da Apple, e todos nós sabemos a importância que o conglomerado concede à estética, não havia sido criado por Jobs. Nem sequer por um trabalhador da Apple. Mas sim por um consumidor.

O espírito de comunidade que caracteriza a relação de alguns consumidores com a Apple faz com que a sua condição vá para lá disso. Dispositivos como este, ou os milhares de fóruns on-line, permitem, mais do que a diminuição de custos relacionados com a assistência técnica, o usufruto de sugestões e ideias apresentadas pelos milhões de utilizadores. É a sua interacção, comunicação, e partilha que, no fundo, fazem a Apple.

Reunindo todas as qualidades de um empresário modelo, Steve Jobs e a sua exceleência são insignificantes quando comparados com o intelecto de milhões.

Sem lenço, sem documento, Nada no bolso ou nas mãos, Eu quero seguir vivendo, Amor, Eu vou… (à manifestação dia 15 de Outubro) Por que não, por que não…

sábado, 8 de outubro de 2011

Manifesto 15Out Porto

Para reflectir...

Em adesão ao protesto internacional convocado pelos movimentos 'indignados' e 'democracia real ya', em Espanha, ocorrerá, no Porto, uma manifestação sob o tema 'a democracia sai à rua', no dia 15 de Outubro de 2011. As razões que nos levam para a rua são muitas e diferentes, de pessoa para pessoa, de país para país - não querendo fechar o protesto a outras exigências de liberdade e de democracia, mas para que se saiba porque saimos para a rua, tentámos, entre os que estão a ajudar na organização e na divulgação do 15 de outubro, encontrar as reivindicações que nos são comuns - entre nós e relativamente aos outros gritos das outras praças, nas ruas de todo o mundo:

Dos EUA a Bruxelas, da Grécia à Bolívia, da Espanha à Tunísia, a crise do capitalismo acentua-se. Os causadores da crise impõem as receitas para a sua superação: transferir fundos públicos para entidades financeiras privadas e, enquanto isso, fazer-nos pagar a factura através de planos de pretenso resgate. Na UE, os ataques dos mercados financeiros sobre as dívidas soberanas chantageiam governos cobardes e sequestram parlamentos, que adoptam medidas injustas, de costas voltadas para os seus povos. As instituições europeias, longe de tomar decisões políticas firmes frente aos ataques dos mercados financeiros, alinham com eles.

Desde o começo desta crise assistimos à tentativa de conversão de dívida privada em dívida pública, num exemplo de nacionalização dos prejuízos, após terem sido privatizados os lucros. Os altos juros impostos ao financiamento dos nossos países não derivam de nenhuma dúvida sobre a nossa solvência, mas sim das manobras especulativas que as grandes corporações financeiras, em conivência com as agências de rating, realizam para se enriquecerem. Os cortes económicos vêm acompanhados de restrições às liberdades democráticas - entre elas, as medidas de controlo sobre a livre circulação dos europeus na UE e a expulsão das populações migrantes. Apenas os capitais especulativos têm as fronteiras abertas. Estamos submetidos a uma mentira colectiva.

A dívida privada é bem maior que a dívida pública e a crise deve-se a um processo de desindustrialização e de políticas irresponsáveis dos sucessivos governos e não a um povo que "vive acima das suas possibilidades" – o povo, esse, vê diariamente os seus direitos e património agredidos. Pelo contrário, o sector privado financeiro - maior beneficiário da especulação - em vez de lhe aplicarem medidas de austeridade, vê o seu regime de excepção erigido. As políticas de ajuste estrutural que se estão a implementar não nos vão tirar da crise – vão aprofundá-la. Arrastam-nos a uma situação limite que implica resgates aos bancos credores, resgates esses que são na realidade sequestros da nossa liberdade e dos nossos direitos, das nossas economias familiares e do nosso património público e comum. É preciso indignarmo-nos e revoltarmo-nos ante semelhantes abusos de poder.

Em Portugal, foi imposto como única saída o memorando da troika – têm-nos dito que os cortes, a austeridade e os novos impostos à população são sacrifícios necessários para fazer o país sair da crise e para fazer diminuir a dívida. Estão a mentir! A cada dia tomam novas medidas, cortam ou congelam salários, o desemprego dispara, as pessoas emigram. E a dívida não pára de aumentar, porque os novos empréstimos destinam-se a pagar os enormes juros aos credores – o déficit dos países do sul europeu torna-se o lucro dos bancos dos países ricos do norte. Destroem a nossa economia para vender a terra e os bens públicos a preço de saldo.

Não são os salários e as pensões os responsáveis pelo crescer da dívida. Os responsáveis são as transferências de capital público para o sector financeiro, a especulação bolsista e as grandes corporações e empresas que não pagam impostos. Precisamos de incentivos à criação de emprego e da subida do salário mínimo (em Portugal o salário mínimo são 485€, e desde 2006 duplicou o número de trabalhadores que ganham apenas o salário mínimo) para sairmos do ciclo recessivo.

Por isso, nós dizemos:

- retirem o memorando. vão embora. não queremos o governo do FMI e da troika!
- nacionalização da banca – com os planos de resgate, o estado tem pago à banca para especular
- abram as contas da dívida – queremos saber para onde foi o dinheiro
- não ao pagamento da dívida ilegítima. esta dívida não é nossa – não devemos nada, não vendemos nada, não vamos pagar nada!
- queremos ver redistribuídas radicalmente as riquezas e a política fiscal mudada, para fazer pagar mais a quem mais tem: aos banqueiros, ao capital e aos que não pagam impostos.
- queremos o controlo popular democrático sobre a economia e a produção.
- não queremos a privatização da água, nem os aumentos nos preços dos transportes públicos, nem o aumento do IVA na electricidade e no gás.
- queremos trabalho com direitos, zero precários na função pública (em Portugal o maior contratador de precários é o estado), a fiscalização efectiva do cumprimento das leis laborais e o aumento do salário mínimo.
- queremos ver assegurados gratuitamente e com qualidade os direitos fundamentais: saúde, educação, justiça.
- queremos o fim dos ajustes directos na administração pública e transparência nos concursos para admissão de pessoal, bem como nas obras e aquisições do estado.
- queremos mais democracia:
- queremos a eleição directa de todos os representantes cargos públicos, políticos e económicos: dos responsáveis pelo Banco de Portugal ao Banco Central Europeu, da Comissão Europeia ao Procurador Geral da República
- queremos mais transparência no processo democrático: que os partidos apresentem a eleições, não somente os programas mas também as equipas governativas propostas à votação.
- queremos mandatos revogáveis nos cargos públicos - os representantes são eleitos para cumprirem um programa, pelo que queremos que seja criada uma forma democrática para revogação de mandato em caso de incumprimento do mesmo programa;

Partilha esta informação, participa na divulgação do protesto. (http://15out-porto.blogspot.com/ - material de divulgação, discussão aberta dos vários manifestos do protesto internacional e espaço para registares as tuas próprias propostas e reivindicações). Vem para a rua fazer ouvir a tua voz. Dia 15, às 15h, na Batalha, no Porto.