domingo, 21 de agosto de 2011

Antes uma aporia que um consenso

Ao interrogar-se sobre “o que é o roubo de um banco, comparado com a criação de um novo banco” Brecht baralha as evidências a respeito do que seja um crime. Michael Moore parece ter interpretado a tirada praticamente à letra e rodeou o New York Stock Exchange com uma fita em que constava a frase «Crime scene do not cross»... Até aí, permanece-se no campo da denúncia de carácter mais ou menos anedótico. Seja como for, mutatis mutandis, as evidências que se baralham são as que andam de mãos dadas com a hipocrisia que consiste em condenar como crimes actos de violência subjectiva, fechando simultaneamente os olhos à violência objectiva/sistémica – como lhes chama Zizek – que amiúde está na origem daqueles.


Não obstante, ao pensarmos nos acontecimentos da semana passada em Inglaterra, não está apenas em jogo a problematização da fronteira entre o que releva ou não de um crime, mas a dinâmica e a lógica das práticas que decorreram da suspensão temporária dessa fronteira; não que apenas actos norteados por ideais, cientes das razões que os norteiam, mereçam o titulo de “políticos” – como se só gestos subversivos que obedecessem a palavras de ordem o fossem –, mas reconhecer a amplitude do político não nos obriga a saudar – com um zelo revolucionário excessivamente lesto – actos em que o poder de quem não tem nada a perder se confunde com a arbitrariedade de quem já não crê ter algo a ganhar.


De resto, que sentido faria aqui saudar os amotinados? Ou – ao invés, mas pelas mesmas razões – condenar? Se não, vejamos: se há um consenso tácito entre os “durões” e os “moles” – para utilizar as expressões do Zé Neves –, ou seja, entre os que pretendem, sem contemplações, punir os amotinados, e os que, contextualizando os seus actos de revolta, apenas corrigi-los, há um outro entre os “durões” que, podendo, não hesitariam em atirar os amotinados à água e os não menos durões de sinal contrário que, por eles, lançariam chamas sobre tudo o que pudesse arder. No fundo, tudo se resumiria a saber – e assim se entendem uns e outros “durões”, ambos reféns da lógica da vingança –, quem pôr borda fora, sendo que não é claro que a lógica do kierkegaardiano “ou sim ou sopas”, quando não só não há nada a perder como também não há nada a ganhar, possa ser boa conselheira.


Note-se que, pondo as coisas nestes termos, não situamos a discussão noutro plano que não o dos amotinados (ou seja, discute-se em termos políticos, e não em termos policiais). A aporia que subsiste, e que é a nossa, pode formular-se a partir da seguinte dificuldade – que é também um desafio: como não condenar hipocritamente actos de violência, sem ter de aprovar a arbitrariedade de que possam revestir-se, ou, em termos talvez mais substantivos, como não advogar uma visão idealista da política sem ter de saudar acriticamente toda e qualquer revolta, por mais desesperada que seja a sua manifestação.

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