O dia de convívio e debate que a
Unipop organizou na Achada deixou, como sempre, várias pontas soltas
que idealmente mereceriam atenção futura. Destaco duas, de entre
muitas linhas de discussão. A primeira foi levantada pelo Nuno
Nabais no debate em torno do Direito de Fuga de Sandro Mezzadra,
ecoando discursos e práticas que circulam desde há bastante tempo
mas que ganharam agora porventura uma urgência renovada: pode o
empobrecimento ser visto como potenciador de novas formas de agência
política? Qual a relação entre o despojamento (forçado ou
voluntário) – que Nabais tratou invocando o conceito devida
nua, de Agamben – e a criação de novas redes de
solidariedade, e mesmo novos horizontes para a fuga às linhas com
que o capitalismo nos coze (algo que teve eco, por exemplo, na
invocação da “economia da dádiva” por José Luís Garcia, na
última sessão do dia)? Será que a figura do “pobre” tem algo
para nos oferecer de um ponto de vista político, ou seja, para lá
das categorias sociológicas ou da denúncia das desigualdades? Ou,
porventura, a figura do desempregado (no sentido de um desemprego do
tempo, de uma desvinculação da nossa identidade enquanto
trabalhadores? Esta matéria exige instrumentos subtis de análise,
que ganham em ser pensados colectivamente e em voz alta. A linha por
vezes pouco nítida que separa o assistencialismo das novas formas de
solidariedade, partilha e vida comunitária, a celebração
problemática da pobreza e mobilidade ou o moralismo de alguns ideais
do decrescimento, entre muitas outras coisas, merecem um debate
que já se vem fazendo, mas que importa renovar a cada passo.
Deixo uma citação de Roland Barthes
que, embora coloque a questão em termos um pouco anacrónicos e
seguramente discutíveis, pode ainda assim servir de mote à
discussão.
«É precisamente porque Charlot dá corpo a uma espécie de proletário em bruto, ainda exterior à Revolução, que a sua força representativa é imensa. Nenhuma obra socialista conseguiu ainda exprimir a condição humilhada do trabalhador com tanta violência e generosidade. Apenas Brecht, porventura, entreviu a necessidade para a arte socialista de capturar o homem na véspera da Revolução, isto é, o homem só, ainda cego, à beira de se abrir à luz revolucionária pelo excesso «natural» dos seus infortúnios.»
Roland Barthes, «Le pauvre et le prolétaire»
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