sexta-feira, 7 de setembro de 2012

História do presente


 
E subitamente, sem que nada o fizesse prever, uma polémica historiográfica no espaço público, com direito a não poucas acusações, insinuações e insultos, para além de um moderníssimo apelo à censura.
Comecemos pela resposta de Rui Ramos a Manuel Loff, que transfigura notoriamente as acusações que lhe são feitas, de maneira a convertê-las numa caricatura para a qual possuía já, arquivada num qualquer baú, uma resposta tão rápida quanto insatisfatória. Infelizmente, os debates dignos desse nome não costumam travar-se contra as afirmações que se desejaria terem sido proferidas mas não foram. Tudo seria evidentemente mais fácil se o trabalho de cada um se confrontasse apenas com argumentos superficiais e avaliações primárias.
É um facto, desses que os historiadores «objectivos» não dispensam, que ninguém acusou Rui Ramos de ser fascista, mas antes de se empenhar no sentido de negar esse qualificativo ao Estado Novo e a Salazar. É um facto que Loff acusa Rui Ramos de apresentar o Estado Novo como uma «espécie» de monarquia constitucional. E é um facto que Rui Ramos lhe chama caluniador por este o ter acusado de afirmar que o Estado Novo era um regime «absolutamente» idêntico à monarquia constitucional. 
A escolha de palavras é aqui todo um programa, uma vez que o rigor no seu uso é a própria matéria de que se faz o ofício de historiador e, não se negando a Rui Ramos capacidades para o desempenhar, apenas se pode concluir que essa confusão é na verdade uma estratégia argumentativa. Uma «espécie de» não significa – agora como no tempo em que este debate podia levar pessoas à prisão - «absolutamente idêntico a» e neste domínio, como noutros, o diabo habita nos pormenores, pelo que a subtileza não é um aspecto secundário.

O exercício poderia prosseguir, mas teríamos sobretudo mais do mesmo e uma conclusão acabaria por se impor: Rui Ramos procurou furtar o seu trabalho ao debate público e convocar em seu auxílio as numerosas penas da opinião conservadora contra os rigores do «antifascismo». E é essa opinião conservadora que interessa discutir. Ela diz-nos muito mais acerca do século XX em Portugal - o lugar inóspito de onde provêm - do que os escritos de Rui Ramos sobre o assunto. 
A facilidade com que emergiram no espaço público termos como «normalização»,«serenidade académica» ou «consensos mínimos», a forma como se denunciou uma «cultura de guerra civil» ou «algo de doentio e fanático» a propósito dos artigos de Loff, é já um sinal de que se tocou num tema de óbvias ressonâncias conflituais. A dimensão política desta discussão parece ser incontornável. Não será esse um dos menores méritos de quem se pronunciou criticamente acerca do trabalho coordenado por Rui Ramos. 


Ligações para vários textos disponíveis on-line acerca do livro e do debate que este provocou.

José Mattoso:
http://ipsilon.publico.pt/livros/critica.aspx?id=252385

São José Almeida:
http://aventar.eu/2012/09/06/a-historia-de-rui-ramos-desculpabiliza-o-estado-novo/

Manuel Loff:
http://entreasbrumasdamemoria.blogspot.pt/2012/08/manuel-loff-uma-historia-em-fasciculos-i.html
http://entreasbrumasdamemoria.blogspot.pt/2012/08/uma-historia-em-fasciculos-ii.htmlhttp://entreasbrumasdamemoria.blogspot.pt/2012/08/manuel-loff-difamacao.html

Rui Ramos:
http://blasfemias.net/2012/08/21/rui-ramos-responde-a-artigo-difamatorio/
http://static.publico.pt/pesoemedida/noticia.aspx?id=1561935&idCanal=5482

Maria Filomena Mónica:
http://oinsurgente.files.wordpress.com/2012/09/mfm_loff.jpg

António Barreto:
http://corta-fitas.blogs.sapo.pt/5043770.html

Pedro Lomba:
http://aventar.eu/2012/09/06/do-debate/#more-1166831

Maria Filomena Mónica:
http://oinsurgente.files.wordpress.com/2012/09/mfm_loff.jpg


 Para além destes, publicados na imprensa escrita, talvez valha a pena ler outros:

Fátima Rolo Duarte:
http://f-world-blog.blogs.sapo.pt/116256.html

Mário Moura:
http://ressabiator.wordpress.com/2012/09/04/pachorra/
http://ressabiator.wordpress.com/2012/09/06/ainda-mais-alguma-pachorra/


6 comentários:

  1. Já que a lista de artigos a propósito do livro "História de Portugal" pretende, aparentemente, apresentar-se completa e exaustiva, esperava que, pelo menos, fosse citado o mais recente artigo de Rui Ramos, publicado no Público de 5ª feira,06-09-12, sob o título "A «normalização» da mentira" -http://jornal.publico.pt/noticia/06-09-2012/a-normalizacao-da-mentira-25195671.htm . Saudações. José Lopes

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  2. Tem toda a razão José. Mas esse artigo não está disponível para não assinantes e eu não sou assinante. Todos os outros estão integralmente reproduzidos nos respectivos alojamentos on-line. Mas terei todo o gosto em acrescentar a resposta de Rui Ramos a Fernando Rosas se ma disponibilizar. Até porque não comprei o jornal na 5ª e por isso não a li. Cumprimentos.

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  3. http://static.publico.pt/pesoemedida/noticia.aspx?id=1561935&idCanal=5482

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    1. Agradeço este link de Anónimo que permite conhecer o texto de Rui Ramos.
      De facto, não sou assinante do Público nem sabia de algum site ou blogue onde pudesse encontrá-lo.Obrigado. José Lopes

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  4. Um bem haja aos dois. Vou acrescentar à lista.

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  5. Já agora... Alguém sabe onde está o texto de Bernardo Vasconcelos e Nuno Gonçalo Monteiro sobre o mesmo tema?

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