Deixo aqui o meu contributo em torno da actual polémica historiográfica, hoje publicado no "Público".
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POLÍTICAS DA HISTÓRIA
por José Neves
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POLÍTICAS DA HISTÓRIA
por José Neves
Os trabalhos de Rui Ramos e de Manuel Loff
constituem dois contributos importantes para o conhecimento do Portugal
Contemporâneo e a ambos devemos uma crítica despida de elogios fáceis e de
insultos gratuitos. Da minha parte, contem com estes cinco pontos.
1. Se é por de mais evidente que
um historiador procura conhecer o passado, menos assumido é que nesse processo também
conta o presente em que o historiador se situa. Com efeito, o meio
político-ideológico em que se move todo e qualquer historiador marca
inelutavelmente o seu trabalho científico. Por isso, quando António Barreto
elogia a “História de Portugal” coordenada por Rui Ramos porque a obra teria
finalmente permitido vencer «o duopólio fanático estabelecido há muito entre as
Histórias ditas “da esquerda” e da “direita”», é a uma ilusão de imparcialidade
que estamos a ser atraídos. O primeiro obstáculo ao debate surge aqui, nesta suposição
de Ramos como um historiador neutral, que ignora o facto do próprio Ramos ter
já assumido – e bem – que o seu olhar historiográfico não é estranho ao seu
percurso político.
2. Esta relação entre a agenda historiográfica e os
interesses político-ideológicos do historiador desenvolve-se de um modo
complexo, pouco directo e nada linear. Desde logo, a relação não é unívoca. Isto
é, a agenda historiográfica do historiador é sensível aos interesses políticos
do historiador, mas estes também a reflectem. Na sua crítica, Loff observa a
afinidade entre a política de Ramos e a historiografia de Ramos, mas, a meu
ver, dá um passo abusivo, sugerindo que o trabalho historiográfico de Ramos
estaria ao serviço de um propósito político. Nesta sugestão de
instrumentalização tem tido origem parte dos equívocos do debate que Loff em
boa hora lançou.
3. Uma outra parte dos equívocos tem origem na leitura que
Ramos fez das críticas que lhe foram dirigidas. Esta leitura produziu mais do
que uma distorção, como expôs Mário Moura. Por exemplo, se Loff escreveu que
para Ramos “o salazarismo era ‘uma espécie de uma monarquia constitucional’”, Ramos acusou
Loff de ter dito que ele, Ramos, consideraria o Estado Novo “um regime absolutamente idêntico à monarquia
constitucional do século XIX”. Se Loff escreveu que o Salazar de
Ramos não tem “‘nada de uma personagem ditatorial’ como a dos líderes da Europa fascista do
tempo”, Ramos acusou Loff de ter dito que o
Salazar de Ramos “não era uma personagem ditatorial”. E se Loff escreveu
que o texto de Ramos apresenta “uma ficção sinistra e intelectualmente cínica
sobre a ditadura salazarista”, Ramos acusou Loff de o “tachar de fascista
“cínico” e “sinistro””. Em suma, Ramos terá que cuidar um pouco melhor da sua
própria criatividade hermenêutica.
4. O maior problema que encontro na actual polémica
reside, porém, no facto de deixar na sombra um conjunto de questões que
não implicam directamente o debate sobre a natureza política do Estado Novo (em
que tendo a concordar com a posição de Loff) ou o modo como Ramos dá conta da
repressão salazarista (já criticado por Rosas, Costa Pinto ou Lucena) e da Guerra
Colonial (desconstruído por Ramada Curto). A primeira destas questões tem que
ver com a ideia de política subjacente ao olhar de Ramos. Procurando contrariar
o que entende ter sido uma tendência historiográfica para a sobrevalorização do
económico, do social e das estruturas, e para a desvalorização do político e da
acção, o esforço de Ramos tem acusado dois vícios: tende a circunscrever o
poder à esfera da política e, como sublinhou Francisco Bethencourt, a confinar
o domínio da acção política às atitudes e comportamentos do que chama de
elites. A esta luz, teria sido porventura mais ajustado, no que à parte
contemporânea diz respeito, que se tivesse optado por um título como “História
Política de Portugal” ou “História Elitista de Portugal”.
Muito interessantes estes vários pontos, sendo particularmente iluminador o último com as considerações sobre a ambiguidade na voz narrativa de Rui Ramos na relação com as fontes.
ResponderEliminarObrigado José Neves.
André Belo