( o meu artigo no i de hoje)
Na
manifestação que terça-feira, em Madrid, cercou o congresso, uma das tarjas
levadas pela multidão dizia simplesmente “Que se vayan todos”. A fórmula tem
origem, creio, nos protestos populares da Argentina deste início de século. E
diz alguma coisa sobre a dificuldade de legitimação que, hoje, enfrenta todo e
qualquer líder político.
A este compete calcular, é sabido,
o tempo para entrar e sair de cena. Deverá proteger-se em terra quando a
tempestade vai forte, deverá atirar-se ao mar quando a corrente joga a seu
favor. As águas, porém, andam de tal modo agitadas por estes dias que não é
fácil apurar com exactidão o estado do mar.
Comecemos pelo actual governo.
Escreveu-se já que o presente estado de decomposição governativa tem levado os
ratos a posicionar-se habilmente de modo a abandonarem o navio num futuro
próximo. Todavia, o lance não tem saído com a facilidade do costume. Mesmo
Paulo Portas, que sempre procurou alcançar aquele “óptimo de
irresponsabilidade” que lhe permitiu garantir que as suas deserções seriam
suficientemente discretas para não passarem por oportunismo e suficientemente
vistosas para sinalizarem uma ruptura efectiva que abrisse espaço a um futuro
retorno, encontra-se hoje a espernear no meio do pântano.
Esta situação de crise no governo
poderia facilitar a vida à oposição, mas também não é aí que estamos. Veja-se
António José Seguro. Líder de um partido que escolheu estar do lado da troika,
ameaçou agora com uma moção de censura que, afinal, depois retirou; se já tínhamos
o clássico líder da oposição que, chegado ao governo, não cumpre as suas
promessas, temos agora o líder da oposição que não as cumpre antes mesmo de
chegar ao governo.
Estas dificuldades poderiam, por
sua vez ainda, abrir o caminho a um outro líder da oposição, caso de António
Costa. Sucede, porém, que durante largos meses, no programa televisivo em que
semanalmente participa, Costa se viu, não raro, ultrapassado à esquerda por
José Pacheco Pereira e não será com facilidade, estimo bem, que agora conseguirá
finalmente atirar-se ao ar e aí ser catado por ventos que soprem a seu favor.
Se é para irmos nessa onda, neste momento talvez seja mesmo preferível
apostarmos em Pacheco Pereira…
A esquerda à esquerda do PS talvez
retire algum proveito de toda esta situação. É justo que assim seja e podem
contar com o meu voto. Mas não nos iludamos. Mesmo as lideranças que sempre
contestaram a troika acusam dificuldades de navegação. No caso do PCP, é
verdade que poderá acabar por registar uma subida de votos porque, nestes
tempos que correm, sadia e ironicamente, a sua falta de jeito para o
oportunismo eleitoral (que alguns insistem em tomar como testemunho de
ortodoxia…) tal permitirá. Porém, de um ponto de vista sociológico, o partido
parece cada vez menos capaz de sair do quadrado em que, nas manifestações, os
seus próprios serviços de ordem tendem a encerrar os próprios militantes
comunistas.
No caso do BE, o problema parece
ser o inverso. A facilidade com que procura colar-se a todo e qualquer tipo de
protesto, sobretudo no momento em que uma câmara de TV se aproxima da cena,
poderá facilmente virar-se contra si. Que o diga Catarina Martins. No episódio
televisivo em que, falando em nome dos manifestantes, se viu interrompida por
dois ou três cidadãos que a maldisseram, a deputada sentiu bem na pele o novo
“ar do tempo”, que é o da crise acelerada das lideranças políticas.
Sobre esta crise, e como este
episódio com a provável futura líder do BE denota, abre-se uma janela de
oportunidade que deixa à vista, pelo menos, dois caminhos. O primeiro guarda um
sentido antidemocrático e aponta a uma transição de um regime baseado em
lideranças políticas para um regime de lideranças pretensamente antipolíticas
de pendor tecnocrático e ou populista. O segundo abre a porta a formas de
acção, discussão e deliberação políticas estranhas aos mecanismos de liderança
que nos têm governado, libertando a democracia do fardo da representação.
A esquerda, creio, deverá saber
trilhar este segundo caminho. Que não julguemos, por isso, que o que está em
causa hoje é apenas Passos Coelho ou sequer a troika. A questão não é
simplesmente inverter o ciclo económico de modo a aumentar o poder de compra da
população ou mudar de governo de forma a minorar o ataque ao Estado social. A
questão é também, e já, a da sede de poder político que muitos dos que não
estão nos cargos de liderança e representação sentem. A sua repartição é tão
urgente como a partilha do pão.
relativamente aos dois caminhos que refere, penso que é clarissimo que as recentes mobilizaçoes denotam uma maior vontade de participaçao das pessoas, ainda que ninguém perceba muito bem de que maneira. será utópico da minha parte, mas nao me parece que seja preciso saber de antemao que caminho a seguir...pode-se saber simplesmente o que nao se quer. A unica maneira de uma pessoa confiar numa instituiçao é ser actor e decisor. é decidir participando e nao delegando.
ResponderEliminarAna