(o meu artigo no i de hoje)
É urgente mudar
os conteúdos das políticas que nos governam? Sim, é urgente, e no entanto não
basta simplesmente mudar os conteúdos.
O
artigo que escrevi há duas semanas dirigia críticas à ideia de alternativa que
me parece ter sido acalentada em iniciativas como o “Congresso das
Alternativas”. Em troca recebi algumas respostas que desde já agradeço.
A questão que pretendi colocar a
debate naquele artigo foi: de que falamos quando falamos de alternativas? Julgo
importante fazer esta pergunta porque, a meu ver, a actual situação política
não exige simplesmente propostas políticas com conteúdos diferentes, mas também
outra forma de organização do trabalho político. Esta exigência interpela a
chamada esquerda do “arco da governação”, isto é, o PS, que por alternativa tem
entendido, sobretudo, alternância governativa, mas também julgo interpelar a
restante esquerda que navega na órbita parlamentar. Não esqueço que comunistas
e bloquistas sempre exigiram uma mudança de políticas e não simplesmente uma
alteração dos políticos, mas, se ontem teria eventualmente bastado o muito que
seria substituir políticas económicas liberais por políticas económicas de
pendor social-democrata, creio que hoje não só não chegará mudar de políticos
como também não bastará mudar de políticas. É também preciso, sim, mudar a
política.
Os trabalhos que esta mudança
implica não são simples e ninguém garante um final feliz. São várias as
hipóteses que estão na ordem do dia.
A primeira é a de uma mudança de
orientação tecnocrática. Do ponto de vista tecnocrático, o confronto político
entre os partidos no quadro parlamentar é uma espécie de fábrica de
mistificações ideológicas que se limita a atrapalhar a eficiência governativa.
Haveria, então, que remover o parlamento (ou até mesmo as eleições) para nos
aproximarmos da verdade das coisas.
A segunda hipótese é a hipótese
populista. Mais do que na ideia da política como um lugar contaminado por
ideologias cuja abstracção só atrapalhará o melhor governo do país, esta
hipótese assenta na suposição de que a política é hoje um lugar dominado por
palavras despidas de emoções, que através de artifícios retóricos acaba por
nada dizer ao coração de um povo que por este efeito se vê excluído do sistema.
A terceira hipótese é a que me
parece ser alimentada por iniciativas como o “Congresso das Alternativas”. Esta
hipótese dirige a sua crítica não ao sistema demo-parlamentar por inteiro mas
ao monopólio que dele fariam os partidos políticos. Em alternativa a este
monopólio, haveria que procurar um sistema de representação em que, por
exemplo, as personalidades teriam maior margem de manobra. É o discurso alimentado
por vários independentes de esquerda, de ex-dirigentes partidários a jovens
intelectuais cujo brilho é indisputável.
Por que não me agrada esta terceira
hipótese? Porque a hipótese que me anima é a da possibilidade de uma
experiência democrática além do sistema representativo vigente. Neste sentido,
o meu problema com o BE e o PCP não reside no facto de eles monopolizarem a
representação parlamentar do famigerado povo da esquerda ou de serem mais ou
menos eficazes na sua performance político-institucional. O meu problema reside
no facto de a vida político-institucional – e o circuito mediático e a lógica
estatal que ela envolve – tender a monopolizar a política desses partidos.
Acresce, ainda, que BE e PCP, com os infinitos defeitos que têm, guardam uma
vantagem em relação a um "Congresso das Alternativas" que, podendo
ter sido uma experiência de construção política colectiva, pouco fez para
evitar que se apresentasse em público como uma constelação de protagonismos
individuais. Ora, ao culto da liberdade individual e do brilhantismo
intelectual dos independentes de esquerda continuarei a preferir o colectivismo
dos militantes partidários, com todos os problemas que o colectivismo também
suscite.
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