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segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Inevitabilidade, o significante flutuante do momento

Em tempo de inevitabilidades nada como voltar às raízes e reler os clássicos. Ou, como diriam Althea & Donna: «nah pop no style, a strictly roots»

O ponto de partida desta reflexão era na maior parte dos casos um sentimento de impaciência perante o «natural» de que a imprensa, a arte, o senso comum revestem sem cessar uma realidade que, embora sendo aquela em que vivemos, nem por isso é menos histórica: numa palavra, sofria ao ver a cada momento confundidas, na narração da nossa actualidade, a Natureza e a História, e queria captar na exposição decorativa do que se dá como evidente o abuso ideológico que, em meu entender, nele se esconde.

Roland Barthes, Mitologias (1957)


sábado, 9 de julho de 2011

Falam, falam, falam

Em 2008 a culpa foi da ganância. A receita foi moralizar o sistema, arranjando alguns bodes respiratórios para tentar acabar com a cobiça. Mas as coisas ficaram como estavam. Actualmente, cavalgam a onda da indignação patriótica e de direita, com o cinismo em forma de ideologia a tomar conta dos ecrãs. Previsivelmente as coisas vão ficar como estão. É caso para dizer: falam, falam, falam...



Talk talk talk talk
All you do to me is talk talk
When every choice that I make is yours
Keep telling me what's right and what's wrong
Don't you ever stop to think about me
I'm not that blind to see that you've been cheating on me

sexta-feira, 1 de julho de 2011

CU-CU

Pensando melhor, talvez esta fosse uma melhor imagem para o que eu descrevi aqui

A Ideologia não está cá! Tá tá!

CU-CU

Nos dias que correm, no discurso político e económico em particular, há uma dialéctica interessante entre a invisibilidade e a visibilidade. É uma espécie de jogo do Cu-Cu, ou peek-a-boo, como lhe chamam os anglo-saxónicos. Por um lado, a ideologia parece ter saído da sua oficina subterrânea, posto uma gravata, passado um pente pelo cabelo e, em frente às câmaras, anunciado ao mundo que fará tudo às claras. Nada na mão, nada na manga. A mão invisível, tendo feito tantos estragos, teve que perder a vergonha. Por outro lado, como seria de esperar, vão-se fazendo pequenos passes de mágica para converter o Ideológico em natural e inevitável - que é afinal, a própria definição de Ideologia.
O processo tem muitas variações e idas e vindas. Os partidos do governo põem um ar pesaroso e enroscam-se bem na longa capa negra da necessidade, ao mesmo tempo que mostram o peito inchado, estampado com um programa de garridas e rijas cores liberais. É evidente que precisamos de desmontar o programa com a ferocidade, o desapego e a casmurrice com que um puto de cinco anos esfrangalha um brinquedo de que se fartou. Chamemos os bois pelos nomes, sim senhor. Mas reconheçamos, ao mesmo tempo, que não são os papões reaccionários de goelas medonhas que puxam a carroça da Ideologia. Nem mesmo, embora justificar isto exigisse uma análise mais demorada, o que por aí se vai dizendo com sorrisos cordiais, seriedade e MBAs, de crachá neoliberal na lapela. É antes a massa indistinta, gelatinosa e adocicada a que o seu discurso vai beber e simultaneamente alimentar. São as evidências para lá da ideologia, que permitem que o discurso neo-liberal se instale sem levantar muitas ondas – a ideia de meritocracia, por exemplo, e o mercado como coincidindo com o essencial na natureza humana. Mas mesmo estas ideias, largamente aceites, têm ecos de crueldade, pelo que vão sendo administradas com os paninhos quentes de justiça social. Pese embora a quase exclusiva autoridade do económico, a ponto de evacuar o político, julgo que o Social é o termo mais importante a analisar e desconstruir. Tanto mais porque neste terreno a divisão entre a esquerda e a direita (ou alguma esquerda e alguma direita) tem contorno mais turvos. 

Para voltar ao meu argumento inicial, os apelos que vamos ouvindo ao “senso comum” são óbvias armas de arremesso. E muitas vezes assumem-se até como tal. O “não há duas maneiras de ver a coisa”, “o que tem que ser tem muita força” e os “ponto final parágrafo” das respostas à crise estão mais assanhados ainda do que é costume. Mas está nos livros: isto funciona melhor de mansinho e com sorrisos de ça va de soi. Quando deixa de ser visto sequer como matéria de política. É ir espreitando pelo canto do olho. Ou talvez saltar para cima do palco, puxar as cortinas e partir a varinha em pedacinhos.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Ideologia (2)

Falei aqui da malvada da ideologia. Antes de continuar, faço apenas uma ressalva: os embaraços provocados pela noção de ideologia não se limitam, por certo, ao campo político. Não é assim tão raro que um historiador critique o trabalho de um colega acusando-o de ter abandonado as elementares regras científicas e de ter cedido às suas paixões ideológicas. Mas a questão da ideologia tem especificidades a nível do debate político. Concentro-me nos partidos de que estou próximo. E que por isso tenho mais vontade de criticar, o PCP e o BE. No campo do PCP a ideologia é um problema na medida em que parece só poder haver espaço para uma. Corre-se assim o risco de reduzir a ideologia a uma doutrina. A redução chegou a tal ponto que já não chega ser comunista para ser militante do PCP. Nem tão pouco marxista. Nem sequer marxista e leninista. É preciso ter sido abençoado pelo hífen do marxismo-leninismo. Dir-me-ão que nada disto é muito relevante quotidianamente. Que há uma cultura política que abrange a questão teórica mas que a ela não se restringe. Que quando um militante faz uma proposta não há quem vá confirmar se é ou não conforme ao que reza o hífen. E eu em parte concordo. Mas só em parte. Porque a questão não é simplesmente a inexistência de condicionamento ao desvio ideológico. Mas é preciso, sim, haver um clima que estimule esse desvio. Ideologia sem desvio é culto identitário. E isto em nada obriga que o PCP renegue a sua história ou os seus princípios. História não é igual a identidade. E, quanto aos princípios, o Partido pode e deve continuar a ser fiel ao princípio comunista (e não apenas como um horizonte, mas também como início de qualquer prática) sem, porém, obrigar-se a muitos mais ismos (os defensores da doutrina podem não acreditar mas já havia comunismo antes de Marx). Quando falo de criatividade ideológica, não falo, aliás, do filósofo X ou Y que apresenta uma tese assim ou assado. Mas a de um partido feito por homens e mulheres que se reúnem em múltiplos espaços de debate e que fazem dessas reuniões momentos de experiência política teórico-empírica. Quanto ao BE, fica para o próximo post. Aí a questão é outra, não sei se melhor, se pior.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Ideologia (1)

Nos últimos meses a malvada da ideologia apareceu uma e outra vez na cena político-institucional. A palavra emergiu como um problema. Como um dos problemas que se teria abatido sobre este país. Disseram uns que recusar a troika seria uma fuga ideológica para a frente protagonizada por outros, que em nada resolveria a mais crua das realidades, a de um país que precisa de dinheiro e que só o encontraria entregando-se nas mãos troika (“isso da democracia e da soberania e das alternativas e do Louçã e do comunismo é tudo muito bonitinho mas a ideologia não enche a barriga de ninguém”). Aqueles a quem este discurso foi dirigido não se deixaram, porém, desarmar e vai daqui que contrapuseram que ideológicos eram, isso sim, os outros; ideológicos eram os Catrogas, os Nogueira Leites, os Duques, aqueles que, num cenário de crise, haviam abdicado da mais elementar lucidez económica, trocando-a pelos cantos da sereia neoliberal, renegando à mais objectiva das regras fundadoras de uma política económica anti-recessiva, a regra de estimular o crescimento investindo e não retraindo. Em suma, em resposta à crise teríamos desvios ideológicos de esquerda e desvios ideológicos de direita. Mudar a realidade é que não, uma vez que está tudo a correr bem.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Shit happens


Ontem fui votar e tudo. Para parafrasear o conhecido "Reabastecimento", do Cesariny: "Vamos ver a democracia / Que linda é/ Vamos ver a democracia / Dá cá o pé/ Vamos usar o voto/ Hop-lá!/ Vamos usar o voto./ Já está."

Ora bem, é fácil demais, e enganoso, dizer: passemos então ao resto, ao que interessa. Isto porque misturados nesse resto estão também os tristes etceteras dos resultados de Domingo, que sucederão aos tristes etceteras em que já vivíamos. É ainda cedo para se perceber até que ponto a paisagem política (num sentido lato e não parlamentar) irá mudar, para além do que já se sabia. Mas enquanto, sem grandes surpresas ou subtilezas, se vão desencadeando as anunciadas cadeias da austeridade, e enquanto as engrenagens do capital rodam as suas rodas dentadas com a teimosia e impassibilidade com que o Idealismo pintava a marcha do Espírito Absoluto, vale a pena irmos olhando de esguelha para os ingredientes menos palpáveis que vão empestar o ar que respiramos. Trocando isto por miúdos: estou a falar daquela coisa velhinha a que se costumava chamar Ideologia. O Capitalismo é o nosso Real, e já muitos têm dito que não precisa assim tanto de Fantasia. Há quem tenha posto a coisa assim: o Capital passa bem sem um Mundo (no sentido forte do termo), ou seja, não precisa de um regime político particular, nem de um sistema de crenças, nem de coesão simbólica que o legitime, nem de nos contar histórias para nos embalar e dar embalo à sua continuidade. Nesta visão, estamos metidos numa espécie de máquina infernal, com manivelas fora do alcance das nossas mãos, e uma imensidão de fios escondidos atrás de chapas metálicas bem aparafusadas. 



O que é certo é que nos continuam a contar histórias, e a dar-nos música. E vão ver como se multiplicarão os esforços para dar à nossa contingência o ar de necessidade, mas igualmente para dar à necessidade um ar mais fofinho, mesmo perante a evidência dos mortos e feridos à beira da estrada por onde avança «o carro triunfal das tendências objectivas». Se me permitem a leveza e leviandade, a sopa ideológica que a dupla Passos Coelho-Portas se preparam para congeminar será amarga, mas é motivo para fazer salivar os hermeneutas. Esperemos para ver como se desenrola o jogo entre a retórica da transparência e a opacidade dos mecanismos de decisão económicos e políticos, como se casam liberalismo e a ideia de Sociedade (direi mais sobre isto noutra ocasião), como se martela nos pobres mas se defende os pobrezinhos, etc etc.
Encostar os ouvidos à chinfrineira das contradições que aí vêm é apenas um hobby no contexto das lutas que é preciso travar. Mas há aqui um trabalho bem real a fazer: o Capital não vai assegurando a sua continuidade apenas nos ninhos escondidos da produção ou na teia complexa dos mercados financeiros: fá-lo também e necessariamente através da reprodução das relações sociais, de valores, de normas e de hábitos. A esperança, se é que lhe podemos chamar isso, é que o desespero (para não dizer a miséria) que aí vem atrelado à necessidade vai encarregar-se de desfazer alguns desses hábitos, esfarrapar qualquer ideia de coesão social, gerar dúvidas e antagonismos. Não quer isto dizer que virá daí a revolução - até porque confesso que não sei exactamente o que será isso. Mas vai haver merda, de certeza. E não vai haver música que lhe esconda o cheiro.