quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Sindicalismo Metropolitano


O meu artigo no i nesta quinta-feira


No Verão de 1994 uma barreira de veículos de todo o tipo – camiões, carros e furgonetas – interrompeu a circulação rodoviária sobre a Ponte 25 de Abril.


Naqueles dias, milhares de pessoas travaram a sua própria marcha em direcção ao emprego, contestando assim o aumento do preço das portagens. Se hoje recordo tamanha revolta, é porque ela permite debater questões que resultam particularmente interessantes no momento em que um governo prepara uma política de restrição da mobilidade urbana e em que sindicatos e outros movimentos sociais preparam uma greve geral.
A revolta da ponte não decorreu no lugar clássico das grandes lutas sociais da contemporaneidade, a fábrica. E a importância que as populações da margem sul do Tejo atribuíram em 1994 à luta contra o aumento das portagens da ponte pode mesmo ser tida como sintoma da crise da instituição fábrica: falida, desmantelada, abandonada, a fábrica entrou em crise, como nesses anos foi exemplificado pelo encerramento das instalações da Lisnave na zona da Margueira, em Almada.
O que significou esta crise da instituição fabril?
Tida como o lugar da produção por excelência, e por isso valorizada por governos e patrões enquanto fonte da sua riqueza, a fábrica foi também, durante muitas décadas, o foco da conflituosidade político-social, temida por governos como factor de desordem pública e por patrões como fonte da crítica à propriedade. A debandada das fábricas deve ser por isso compreendida como debandada de patrões para países e continentes onde a mão-de-obra era mais barata e estava politicamente desorganizada, ma também enquanto fuga dos trabalhadores à pena da disciplina fabril: quem na ponte lutava contra o bloqueio era também quem por esses anos multiplicava esforços para financiar a educação universitária, sua ou dos seus filhos, ousadia que parte das elites deste país ainda continua a censurar, com o aristocrático argumento de que nem todos teremos nascido para ser doutores.
A crise da instituição fabril não significou, contudo, que o reino da produção se tenha evaporado. Sempre que nos falarem da necessidade de o país voltar a produzir, é preciso recordar que a população nunca deixou de produzir. Porventura o equívoco está em tomar como produtores apenas e só a figura do operário fardado de azul da Lisnave, quando deveríamos falar de uma multiplicidade de produtores: do estudante que se qualifica em universidades que se limitam, cada vez mais, a preparar mão-de-obra formatada à medida das necessidades imediatas das empresas ao precário que se move nos transportes públicos da metrópole, de biscate em biscate, impulsionado pela mesma necessidade que faz o operário circular no interior da “sua” fábrica; do trabalhador doméstico, como a dona-de-casa, empresária de si e dos seus cuja actividade produtiva, ontem ainda objecto de uma parca remuneração graças aos apoios de um Estado social, se arrisca hoje à completa invisibilidade, até ao graffiter suburbano cujas pinturas, legais ou ilegais, decoram a cidade que o turista estrangeiro vem consumir.
Se olharmos de frente para esta multidão de produtores, fácil é, quando recordamos os acontecimentos da ponte, sermos tentados a rebaptizá-los como experiência de um novo tipo de piquete, já não realizado à porta do edifício de trabalho, mas da cidade dos produtores, a metrópole em que todos os habitantes são produtores de uma economia capitalista que fez da vida e da sociedade em geral uma imensa fábrica de dívidas para uns e lucros para outros.
Aos governos poderíamos então perguntar se restringir os transportes públicos é um simples corte na despesa ou é também a paralisação de uma economia que se fundamenta na vida de uma cidade que já não sabe nem quer distinguir onde começam e acabam a cultura, a economia e a sociedade, tão pouco a produção, a distribuição e o consumo. E aos sindicatos e movimentos sociais poderíamos perguntar se deverão os piquetes ser feitos apenas à porta dos edifícios de trabalho ou também noutros pontos da cidade, lançando o apelo: à greve, cidadãos!

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