quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012
domingo, 19 de fevereiro de 2012
A queda dos príncipes e dos seus conselheiros
(artigo publicado no jornal i, quinta-feira passada)
Em Portugal, por estes dias, enquanto uns aguardam desesperançados a chegada dos ventos gregos da crise, outros, mais esperançados, vão aspirando os ventos gregos da revolta.
Mas há ainda quem esteja noutro cumprimento de onda. E se esfalfe em tentativas atrás de tentativas para salvar o sistema de representação política. Dou dois exemplos recentes, um de direita, outro de esquerda.
Começamos pela tentativa de direita, provavelmente a mais ousada dos últimos tempos, que a muitos terá parecido, por isso mesmo, a mais patética, sem que por isso, acrescento eu, seja risível. Refiro-me aos esforços levados a cabo pelos recentes signatários de um abaixo-assinado destinado a reclamar o regresso da monarquia. Face à quebra de popularidade do Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, personalidades como Gonçalo Ribeiro Telles, Pedro Ayres de Magalhães ou Miguel Esteves Cardoso entenderam oportuno colocar no nosso horizonte de poder a figura de Dom Duarte. O que me parece importante sublinhar nesta proposta não é a questão do regime, se república ou se monarquia. Ou melhor, esta proposta de regresso à monarquia deve ser lida como mais um contributo para a actual tendência em curso de defender o sistema representativo a todo o custo, se preciso for contra o princípio de que é necessário os governantes serem seleccionados pelo voto popular. Em Itália e na Grécia, é já nesse cenário que vivemos, com a sorte ou o azar de ser um tecnocrata e não um nobre senhor a tutelar os destinos do país.
À esquerda, o caminho para salvar o sistema de representação política parece outro. Trata-se de procurar reinventar a oferta partidária de modo a dar novo ânimo ao sistema político representativo. Mais concretamente, trata-se de corrigir o que se considera ser o desequilíbrio fundamental do sistema representativo português. Que desequilíbrio é esse? Segundo o cientista político André Freire, um dos mais empreendedores activistas desta tentativa de salvar o sistema à esquerda, o desequilíbrio consiste no facto de nunca se ter conseguido fazer à esquerda o que se faz à direita: se PSD e PP formaram e formam governos, PS e PCP (ou, mais recentemente, BE) desunem-se mais do que se unem. Esta disparidade empurra o sistema invariavelmente para o centro em que agora corre o risco de se afundar. A solução para evitar o naufrágio que é avançada pela esquerda de Freire e alguns outros passa por conseguir um governo de coligação de esquerda. Neste sentido, desenvolvem-se esforços, como gostam de dizer os próprios esforçados. Os mais hercúleos nesta tarefa são os 5 ou 6 ex-militantes do PCP que fazem uma associação política chamada Renovação Comunista e que decidiram agora reunir com a direcção do Partido Socialista para procurar soluções de convergência à esquerda. A estes esforços somam-se ainda cronistas como Daniel Oliveira, que parece (e que me corrija se estiver a ser injusto) alimentar a esperança na formação de um novo partido à esquerda, algures entre o PS e o BE, porventura liderado por uma figura bem mais credível do que Dom Duarte, mas que, curiosamente, se perpetuou no poder por um tempo suficiente para fazer inveja a alguns reis: Manuel Carvalho da Silva.
Entendamo-nos: não tenho nenhum respeito pela tentativa monárquica de salvar o sistema de representação mas creio que a esquerda comete um erro semelhante. Que erro? Recusar a hipótese de o sistema representativo não ter salvação e de ser necessário começar a construir novas instituições políticas, obrigatoriamente democráticas e, ainda assim, ou por causa, apartadas dos princípios de representação que nos têm governado ao longo do século XX, em ditadura como em democracia, em monarquia como em república. Em vez de falarmos apenas da crise do sistema representativo, poderíamos começar a perguntar se o sistema representativo não é, ele mesmo, a crise. Essa pergunta tem sido feita pelos movimentos sociais que no último ano e meio têm feito o seu caminho um pouco por todo o mundo. E onde não há (é uma constatação mas também um desejo) nomeação de reis como Dom Duarte ou eleição de príncipes como Carvalho da Silva, nem paciência para os seus conselheiros.